1ª Parte do Grande Expediente
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26/05/2015
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Discurso
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38ª Sessão
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Senhor Presidente, Senhores
Vereadores, Senhoras e Senhores: o motivo de eu vir, hoje, à tribuna é calcado nos
documentos, nos jornais que foram publicados nesses 10 dias e que, portanto, me
chamaram a atenção.
Senhoras e senhores, nos últimos dias
analisamos todo o noticiário a respeito do terrível assassinato do médico na
Lagoa. Foi-se mais uma vida. Morreu, violentamente, um homem justo e
trabalhador. O autor do homicídio deve ser punido na forma da lei. A minha
fala, contudo, repousa na acusação que fazemos à sociedade e ao Estado por sua
imperdoável negligência.
Cuidar das crianças e evitar que elas
se transformem em infratores deve ser prioridade um.
Enquanto a sociedade e os nossos
governantes não entenderem que devemos atuar de forma preventiva - cuidando das
nossas crianças e depositando nelas as nossas esperanças de um futuro melhor,
para evitar a sua transformação em adolescentes infratores e, depois, em
adultos criminosos, por absoluta falta de oportunidades na vida - vamos chorar
a perda de vidas de forma inexplicável, como aconteceu com a morte do
cardiologista na Lagoa, semana passada.
Antes de pensarmos em encarceramento de
jovens, é necessário que se viabilize para as crianças um tratamento humano,
proporcionando-lhes os seus direitos fundamentais. É preciso que façamos um
trabalho junto às famílias e, se estas estiverem desintegradas, que a criança
tenha um apoio da sociedade, a fim de lhe proporcionarmos razão para viver.
O que a sociedade espera de uma criança
sem família, sem escola, sem amor, sem perspectiva de melhorar sua condição de
vida? O que estamos fazendo para reduzir o sofrimento das crianças e dos jovens
abandonados pela família, pela escola, pela Igreja e por todos os segmentos da
sociedade?
Querem reduzir a maioridade penal para
16 anos. E o que faremos com um menino de 12 anos de idade detido por furto e
que continua cometendo crimes e não vai à escola, como publica, por exemplo, o
Jornal O Dia em 25/05/2015? O que fazer com isso? Baixar a maioridade para 12
anos, para 10, para 8, ao invés de cuidar dessas crianças?
A trágica morte do médico na Lagoa
indignou a todos nós. Não há a menor dúvida de que não se pode aceitar o fato.
A supressão de uma vida provoca revolta em todos nós, sobretudo, quando ela
ocorre de forma brutal como aconteceu.
Mas vejam o que o delegado Rivaldo
Barbosa, titular da Divisão de Homicídios da Capital, disse e foi publicado no
Jornal O Dia em 21/05/2015. Palavras do delegado Rivaldo Barbosa: “Para mim,
esse adolescente também é uma vítima. Se as pessoas virem onde ele mora, vão
entender o problema social”.
Segundo diversos jornais, o menor
acusado de matar o médico tem o perfil da maior parte dos infratores internados
no Rio. Ou seja, 95% deles, de 16 anos, não completaram sequer o ensino
fundamental, cursando até o 6º ano. Abandonaram a escola por discussões com
colegas e professores e, por vezes, pela repetência ou por desestímulo
nas unidades escolares. O traço comum entre eles se dá pela forma
como são tratados pelo Estado. Além da idade, eles têm em comum a ausência de
direitos garantidos. Quando estão nas ruas, a ausência do Estado é mais clara,
diz o pesquisador Pedro Strozenberg, secretário executivo do Instituto de
Estudos da Religião (Iser).
O crime mais cometido pelos jovens
infratores é o tráfico: ao todo, 41% dos internos foram apreendidos acusados de
portar drogas ou de integrar facções criminosas. O segundo delito mais
frequente é o roubo, caso de 27% dos adolescentes.
Os nossos jovens não têm esperança em
dias melhores trilhando pelos caminhos do bem. Vejam as medidas atuais que
demonstram o desinteresse do Estado para com nossos jovens e com as nossas
crianças.
“1 - Desemprego castiga mais os jovens
— A piora no mercado de trabalho está castigando, de forma mais intensa, os
brasileiros que têm entre 18 e 24 anos.” — Essa notícia é de O Globo, de
22/05/2015. Se não há emprego, como sobreviver? Qual o caminho a ser trilhado
pelos jovens desempregados?
“2 - País perde quase 100 mil empregos
formais no mês.” — Notícia de O Globo, 23/05/2015.
“3 - Educação perde R$ 20 milhões.
Levantamento mostra que contingenciamento orçamentário atinge estrutura das
escolas.” — Essa, notícia de O Dia, 23/05/2015. Ela é referente ao Estado do
Rio de Janeiro.
“4 - Corte no orçamento será de R$ 70
bilhões. Ministérios mais afetados são Cidades, que perde R$ 17,2 bi; Saúde, R$
11,8 bi; e Educação, R$ 9,4 bi.” — Essa, notícia do Extra, 23/05/2015.
“5 - Corte de R$ 70 bi atinge PAC,
Saúde e Educação.” — O Globo, 23/05/2015.
Se o número de empregos cai, se a
Educação sofre cortes orçamentários drásticos, o que se espera? Como ficam as
crianças e os jovens em relação à Educação e os jovens, especificamente, em
relação ao emprego?
Esse é o retrato de um país hipócrita,
desumano, que quer exigir de crianças e adolescentes um comportamento para o
qual não contribui em nada. O Estado volta as costas para suas crianças e para
os seus adolescentes, quando se trata de promover justiça social, e quer, como
mágica, que esses mesmos desamparados sejam padres ou freiras. Como isso é
possível?
O jornal Extra, em 23/05/2015, anunciou
em manchete: "Abandono é comum em Ciep onde ‘X’ estudou". E mais o
mesmo jornal: "A tragédia antes da tragédia na Lagoa". Esse
adolescente acusado do crime da Lagoa, segundo relatos de professores, sempre
foi rebelde e não tinha acompanhamento da família.
O que o Estado fez por ele? Se todos
sabiam desse comportamento, por que não atuaram?
O jornal O Dia, em 22/05/2015,
estampou: "Do sonho à criminalidade. Menor suspeito de ação na Lagoa
queria ser lutador de judô, mas, aos 12 anos, começou a roubar". Por que
ele não foi encaminhado para uma atividade de seu gosto e que poderia reduzir
seu grau de agressividade?
Senhor Presidente, eu peço um tempo a
mais para concluir, esse tema é nevrálgico na nossa sociedade.
O jornal Extra, em 23 de maio de
2015, anuncia: “Tragédia que pode ser traduzida em números.” E segue: “Escola
onde ‘X’ estudou teve o dobro de abandono em relação à média da rede
municipal.”
Ainda nessa reportagem, há um trecho:
“Professora diz que o menor era inteligente, mas tinha problemas de
comportamento.” Não havia acompanhamento da família.
Em entrevista ao RJ TV, o Secretário de
Desenvolvimento Social, Rodrigo Abel, disse que “X”, o suposto homicida, tinha
um comportamento normal no colégio, com boas notas, mas deixou o Ciep após a
discussão com um professor. A família chegou a ser informada, a escola
comunicou ao Conselho Tutelar e à Assistência Social. Apesar disso, “chamamos a
família e ficou notificada a negligência da família.” A família não compareceu
à escola, não compareceu aos equipamentos da Assistência Social.
Eu pergunto: que família? Esse
adolescente, com 16 anos, acumula 15 passagens pela polícia. A primeira, quando
tinha 11 anos. Vamos baixar a maioridade penal para 11 anos? O pai, ele só viu duas
vezes. A mãe, catadora de latas, foi indiciada por abandoná-lo com fome na rua.
A outra barreira de proteção ao menor também falhou: ele desistiu dos estudos
no 6º ano. E a recíproca foi verdadeira: a escola também desistiu dele. Aí, um
inocente, o médico, que nada tinha a ver com isso, pagou por essa sucessão de
tragédias.
Não há como negar que há uma urgente
necessidade de se repensar a forma para prevenir que as crianças se transformem
em adolescentes infratores.
A morte de um inocente é dura, mas deve
servir para que a sociedade volte o seu olhar para as crianças de todas as
classes sociais. É hora de parar de fingir e de dizer que a culpa não é nossa.
É nossa, sim, e muito nossa. Cada criança desamparada hoje é potencialmente um
infrator amanhã. E os inocentes vão morrendo.
Para encerrar, Senhor Presidente, a
minha maior mensagem: reduzir ministérios e secretarias estaduais e municipais
de menor interesse para a sociedade e que só se prestam para os acordos
políticos e criar, em contrário, um Ministério da Criança e do Adolescente e
secretarias nos outros entes federados, com pessoal técnico, multidisciplinar e
suprapartidário, com planos decenais sólidos e pertinentes e com uma dotação
orçamentária robusta poderá ser o início da verdadeira revolução pela criança
brasileira.
Ou começamos agora, ou vamos chorar
muito, porque colocar esses adolescentes em presídios não resolverá essa
questão. Quem viver verá.
Muito obrigado, Senhor Presidente!