1ª Parte do Grande Expediente
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01/09/2015
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Discurso
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65ª Sessão
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Senhor Presidente, senhores vereadores, senhoras e senhores, as autoridades brasileiras reiteradas vezes vêm tendo atitudes que afrontam o nosso ordenamento jurídico, especialmente desrespeitando a Constituição Brasileira e os acordos internacionais de que o Brasil é signatário.
Esse comportamento trás insegurança para todos nós.
Hoje eles afetam os mais pobres, os mais humildes, os negros, as crianças e os
idosos. E amanhã?
Na semana passada, aqui no Rio de Janeiro, os
agentes públicos de segurança ignoraram um dos princípios fundamentais, o
princípio da presunção de inocência que, no Brasil, é um dos princípios
basilares do Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, sendo
previsto no Artigo 5º, Inciso l57, da Constituição Brasileira, que enuncia:
“Ninguém será considerado culpado até trânsito em
julgado de sentença penal condenatória.”
Tendo em vista que a Constituição Federal é a nossa
lei suprema, toda legislação infraconstitucional deverá absorver e obedecer tal
princípio.
É certo, é lógico, é legítimo que o Estado
brasileiro tenha o direito e o interesse em punir indivíduos que tenham
condutas em desconformidade com a lei, podendo aplicar sanção àqueles que
cometem ilícitos. No entanto esse direito-dever de punir do Estado deve
conviver e respeitar a liberdade pessoal, um bem jurídico do qual o cidadão não
pode ser privado, senão dentro dos limites da lei.
Portanto, diante do cometimento de um ilícito, para
que o Estado imponha pena, ele deverá respeitar o suposto autor de tal ilícito,
dando-lhe todas as garantias constitucionais, e permitindo que este se defenda,
e não tenha sua liberdade cerceada. Sendo necessário, portanto, que ocorra um
processo, e enquanto não houver sentença transitada em julgado, em que o Estado
prove a culpabilidade, o suposto autor será presumido inocente.
O Princípio da presunção da inocência veio a ganhar
repercussão universal com a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, em 1948,
que afirmou em seu art. 11: "Toda pessoa acusada de delito tem direito a
que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de
acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias
necessárias para sua defesa".
O Brasil, ao votar na Assembleia-geral da ONU de
1948, colaborando para originar essa Declaração dos Direitos Humanos, estava
ratificando tal Princípio.
No entanto, só 40 anos depois é que veio de fato
ser positivado na legislação brasileira. Só com a Constituição Federal de 1988
é que o Brasil incorporou expressamente a Presunção de Inocência como princípio
basilar do seu ordenamento jurídico. Isso não implica dizer que até então o
país era totalmente estranho a ele, porque outros princípios, como os do
contraditório e da ampla defesa, já davam esse norte para os processos e
decisões da justiça brasileira.
Em 1992, o Brasil internalizou a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, que
estabeleceu em seu art. 8º, inciso I, o Princípio da Presunção de Inocência ao
afirmar que: "Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma
sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa".
Diante disso, ficamos perplexos, quando agentes
públicos ignoram a Constituição e os tratados e convenções que são compromissos
assumidos perante a comunidade internacional.
O mais curioso é que essa afronta não atinge os
poderosos, os que são denunciados pelo Ministério Público na Operação Lava
Jato, por exemplo. Os suspeitos de roubarem o dinheiro público, os que
enriquecem ilicitamente, os que depositam dinheiro desviado dos cofres público
brasileiros em paraísos fiscais e os que desfalcam a Petrobras recebem o
tratamento levando em conta esse Princípio, o que é justo. Mas por que isso não
é feito para os menos favorecidos?
Naquela semana, os jornais publicaram a manchete:
"PM aborda ônibus e recolhe adolescentes a caminho das praias da Zona Sul
do Rio". Cito, neste momento, trechos da reportagem do Jornal Extra sobre
o tema:
(LENDO)
“1- Eram por volta das 14h30min de ontem (naquela
data) quando 15 jovens, a maioria da periferia do Rio, se revezavam em um banco
para quatro lugares no corredor externo do Centro Integrado de Atendimento à
Criança e ao Adolescente (CIACA), em Laranjeiras, após terem sido recolhidos
pela Polícia Militar. O motivo?... Estavam indo para as praias da Zona Sul do Rio".
O motivo deles serem recolhidos? “Estavam indo para as praias da Zona Sul do
Rio.” – palavras do Jornal Extra.
2- "Do grupo que havia sido retirado de um
ônibus que chegava a Copacabana, só um rapaz era branco. Os outros 14
tinham o mesmo perfil: negros e pobres. Todos os jovens ouvidos
pelo Extraestavam em linhas que saem da Zona Norte em direção à Orla.
Nenhum deles portava drogas ou armas.”
(INTERROMPENDO A LEITURA)
Vou repetir palavras do Extra: “Nenhum deles
portava drogas ou armas.”
(LENDO)
“3 – Pedindo anonimato, quatro funcionários da
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social que estavam no local disseram
não concordar com o recolhimento dos menores. Uma conselheira tutelar, que
preferiu também não se identificar, não conteve a revolta com a situação que,
segundo ela, tornou-se corriqueira. ‘No início, o critério era estar sem
documento e dinheiro para a passagem. Agora, está sem critério nenhum. É pobre?
Vem para cá! Só pegam quem está indo para as praias da Zona Sul. Só hoje
(domingo) foram cerca de 70. Ontem (sábado), foram 90. A polícia está privando
de liberdade esses adolescentes que não cometeram qualquer ato infracional.
Isso é inaceitável – dizia a conselheira tutelar –, algo que se fazia na
ditadura militar”.
Palavras da conselheira tutelar transcritas pelo
jornal Extra.
É evidente que os agentes de segurança pública têm
que trabalhar com a prevenção. Isso ninguém discute. Os agentes de segurança
pública têm que trabalhar - e eu acho que até prioritariamente - com a
prevenção. Não se discute e se louva até. Também reconhecemos que têm ocorrido
muitos problemas nos ônibus envolvendo jovens, especialmente nos finais de
semana. Também é verdade. As praias têm sido palco de arrastões e de outros
casos intoleráveis. Também é verdade incontestável há muito tempo! Mas não se
pode prender por prevenção quem nada cometeu.
Vou repetir: Não se pode prender por prevenção quem
nada cometeu. Isso é ilícito! É inconstitucional! É absurdo! É ferir a
Constituição, as Leis Infraconstitucionais e todos os acordos que o Brasil tem
assinado com outras Nações civilizadas.
Se aprovarmos o desrespeito aos princípios
constitucionais de alguns, amanhã estaremos com os nossos direitos agredidos.
Isso é significativo! As pessoas não olham para o seu próprio interior. Aprovar
subtrair direitos dos outros corresponde, amanhã, ter que admitir subtrair os
seus próprios direitos.
Vou encerrar, Senhor Presidente. Os mesmos
documentos jurídicos que citamos acima são os que protegem a liberdade de expressão
de que a Imprensa tanto precisa. Imaginem se amanhã quiserem cercear a
liberdade da Imprensa? A liberdade de culto; a inviolabilidade de nosso
domicílio; o direito de herança; a proteção à propriedade; o direito de
resposta; a livre expressão artística, intelectual, científica e de
comunicação; a nossa honra e a nossa intimidade; o sigilo de correspondência e
das comunicações telefônicas entre outros direitos fundamentais.
Queremos segurança pública, mas acima de tudo,
queremos que as medidas a serem tomadas para nos proteger estejam dentro da
constitucionalidade e da legalidade.
Muito obrigado, Senhor Presidente.