1ª Parte do Grande Expediente
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14/05/2015
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Discurso
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34ª Sessão
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Senhor Presidente,
Senhores Vereadores Paulo Pinheiro, Renato Cinco, Edson Zanata, Eduardo Moura,
senhoras e senhores, mais uma vez venho a esta tribuna preocupado: querem nos
dar um golpe, um golpe na Constituição, rasgar a Constituição e colocar em
risco todos os direitos adquiridos na promulgação da Constituição de 88 – isso
é muito sério.
O título da minha fala é: A
Inconstitucionalidade da Redução da Maior Idade Penal.
A Constituição da República Federativa
do Brasil foi promulgada em 5 de outubro de 1988 pelo presidente da Assembleia
Nacional Constituinte, o Deputado Ulysses Guimarães, e se caracteriza por ter
regras e princípios com força normativa.
Os parlamentares que a redigiram foram
eleitos em novembro de 1986 e iniciaram seus trabalhos em 1º de fevereiro de
1987. Aqueles parlamentares formaram o Poder Constituinte Originário, cuja
função foi elaborar a Carta Magna. Os parlamentares de hoje constituem o Poder
Derivado.
O Poder Originário, quando se instala,
é ilimitado; o Derivado tem limitações, pois não pode abolir as cláusulas
pétreas.
Para esclarecer: quando se instala uma
Constituinte, uma Assembleia, ela rasga a Constituição anterior. Se quiser
aproveitar alguma coisa, aproveita, mas ela tem um poder ilimitado – esse é o
Poder Originário. O que temos, hoje, não é uma Constituinte. Temos lá
parlamentares que constituem o que nós chamamos de Poder Derivado – eles não
podem rasgar a Constituição totalmente. Podem até emendar com quórum qualificado,
mas não podem mexer em cláusulas pétreas.
Na Constituição Brasileira existem
dispositivos que não podem sofrer alteração nem ser abolidos, até mesmo por
emenda. Esses dispositivos são as cláusulas pétreas, que são limitadoras do
poder de reforma da Constituição de qualquer Estado. Quais são as cláusulas
pétreas da nossa Constituição vigente? (1) A forma federativa do Estado — não
se discute. (2) O voto direto, secreto, universal e periódico — não se pode
mexer nisso. Também não se pode mexer na separação dos Poderes: Legislativo,
Executivo e Judiciário. E no Inciso IV está lá: os direitos e garantias
individuais — não se pode mexer nisso. Onde estão esses direitos e garantias
individuais? A princípio, eles estão primeiramente elencados no Art. 5º da Constituição,
que estabelece esse rol de direitos e garantias, sendo desnecessário discutir
se são ou não amparados pelo parágrafo 4º do Art. 60 da Constituição. O
parágrafo 4º do Art. 60 é esse parágrafo que define as cláusulas pétreas que
acabei de citar, entre elas, os direitos e garantias individuais. Portanto, não
se pode mexer. O Art. 5º já define quais são esses direitos. Não se pode mexer
naquilo. Mas, aí, essa gente que está querendo mexer nos direitos, está
querendo confundir tudo. Os direitos e garantias individuais não estão apenas,
exclusivamente, no Art. 5º; estão por toda a Constituição.
No parágrafo 2º do Art. 5º, diz o
seguinte: “São direitos e garantias individuais as normas dispersas pelo texto
constitucional”. Então, há vários artigos pelo texto constitucional que são
direitos e garantias individuais, e não apenas os elencados no Art. 5º.
Olha o que diz o Art. 5º, no parágrafo
2º, que fala isso: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime democrático, dos princípios por ela
adotados” — princípios, guardem isso — “ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”. Se, amanhã, a República Federativa
do Brasil assinar um contrato e surgir um novo direito, faz parte das cláusulas
pétreas.
Esse parágrafo nos traz duas certezas.
Primeiro, a Constituição admite que encerra em seu corpo direitos e garantias
individuais e que o rol do Art. 5º não é exaustivo — portanto, por toda a
Constituição, nós temos direitos e garantias que não podem ser mexidos.
Segundo, direitos e garantias concernentes com os princípios da própria
Constituição e de tratados firmados pelo Brasil integram o referido rol, mesmo
fora da lista.
Com a Constituição de 88, a questão da
inimputabilidade penal passou a ser questão constitucional; antes não era. Da
mesma forma com que tratou várias questões penais lá no Art. 5º, quando tratou
dos direitos e garantias individuais. Aí vem a grande questão que eles querem
mexer: o Art. 228. O Art. 228 diz assim: “São penalmente inimputáveis os
menores de 18 anos sujeitos às normas da legislação específica”.
Alguns alegam que este dispositivo não
é direito fundamental, quer dizer, não é cláusula pétrea, porque não está no
Art. 5º. Mas eu já mostrei que não. A própria Constituição, no seu parágrafo 2º
do Art. 5º, diz isso. Esse artigo se encontra no Capítulo VII, que trata da
Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso. Por sua vez, esse
capítulo faz parte do Título VIII, ou seja, tema da Ordem Social. Nesse
Capítulo VII se encontra o princípio. Princípio é garantia. É cláusula pétrea.
Então, nesse capítulo, se encontra o princípio da prioridade absoluta, que é
também uma garantia constitucional e, portanto, uma cláusula pétrea. Portanto,
não podem mexer no Art. 228.
É indiscutível que todo e qualquer
direito e garantia individual previsto no corpo da Constituição brasileira de
88 é insuscetível de emenda tendente a aboli-los. Em relação a esse
tema assim se posiciona Ives Grandra Martins. Olha o que ele diz: Os direitos e
garantias individuais conformam uma norma pétrea, não são eles apenas que estão
no artigo 5º, mas como determina o parágrafo 2º do mesmo artigo inclui outro
que se espalha pelo texto constitucional e outros que decorrem da implicitude
inequívoca. Trata-se, portanto, de um elenco cuja extensão não se encontra em
textos constitucionais anteriores. Mas que estão a partir de 1988. No que se
refere a inimputabilidade penal diz ele: deixou ao constituinte o capítulo que
trata da criança e do adolescente por questão de técnica legislativa. Ao invés
de botar no 5º, botou lá no capítulo que trata da família, do idoso, da
criança. E por que isso? Porque duas emendas populares apresentadas pelos
grupos de defesa de crianças e adolescentes fizeram inserir na Constituição os
princípios da doutrina da proteção integral. Princípio cláusula pétrea.
Consubstanciado nas normas das Nações Unidas.
Portanto, o Brasil é signatário disso.
Dessa forma, nada mais lógico do que inserir os direitos da criança e do
adolescente no capítulo da família; por isso que foi para o artigo 228 e não no
5º, e é por isso que eles querem derrubar, reduzir a maioridade. Não está no
5º, está lá no 228 e não é cláusula pétrea. A intenção foi separar os direitos
e garantias das crianças e dos adolescentes das disposições relativas ao
conjunto da cidadania.
Quer dizer, da proteção especial à
criança e ao adolescente. Técnica perfeita. Assim, elegeu tais direitos,
colocando-os em artigo próprio, com um princípio intitulado de prioridade
absoluta, que faz com que a criança tenha prioridade na implementação de
políticas públicas, por exemplo, e, desta forma, inclusive por questão de
coerência jurídico-constitucional, não iria deixar ao desabrigo do artigo 60,
parágrafo 42, inciso IV, os direitos e garantias individuais das crianças e dos
adolescentes, quando foi justamente o contrário que desejou fazer e o fez.
Então para concluir, ferir ou abolir a
cláusula pétrea é golpe. Pois significa rasgar a Constituição, todos os nossos
direitos estarão em risco se isso ocorrer. Portanto, é um tema sério e as
pessoas que estão liderando esse movimento estão pegando cidadãos nos momentos
de paixão e emoção. É claro que quando a gente vê uma pessoa sendo agredida por
um menor, a gente acaba se envolvendo nesse debate e até imaginando que seja
correta a redução da maioridade penal. Mas não é por aí. Porque na hora que a
gente rasga o direito e a cláusula pétrea você rasga toda a Constituição e
todos os direitos adquiridos de todas as pessoas, maiores ou não, idosos ou
não, todos estaremos com os nossos direitos colocados em xeque.
Muito obrigado.