1ª Parte do Grande Expediente
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01/12/2015
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Discurso
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104ª Sessão
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Senhor Presidente, Vereador Dr. Eduardo Moura,
senhores vereadores Reimont, Jimmy Pereira, Leonel Brizola Neto, senhoras e
senhores:
Quando a gente pensa que já viu tudo na vida, nos
nossos 68 anos de idade, de repente a gente vê no Jornal Extra uma reportagem e
outros jornais também publicam, no dia 30/11/15, outdoor pedindo fim de
privilégios para os deficientes.
“Na manhã desta segunda-feira, o bairro de Vista
Alegre, em Curitiba (PR), acordou assustado com um outdoor pedindo, em letras
garrafais, o fim dos privilégios para deficientes. A placa, sem muitos
detalhes, foi instalada na Rua Santa Cecília e conta também com o nome do grupo
responsável pela reivindicação. Uma foto foi tirada por um diretor de redação
da Rádio Banda B, uma das principais da cidade. “Quando passei e vi, me deu um
embrulho no estômago. Depois fui procurar no Facebook e fiquei mais indignada
ainda. Como pode?", declarou Laura Pimentel, mãe de uma criança
deficiente, em uma mensagem enviada ao Programa Luiz Carlos Martins, carro-chefe
da rádio. Criada há menos de 24 horas, a página no Facebook "Movimento
Pela Reforma de Direitos" conta com uma petição pública em aberto. Mas, na
rede social, o grupo já fez postagens em que exibe algumas de suas bandeiras,
como a redução em 50% das vagas para deficientes, o fim das cotas para
deficientes em empresas, o fim da isenção de impostos para deficientes no ato
de compra de um carro zero km, fim das cotas para deficientes em concursos
públicos e fim da gratuidade para a entrada de deficientes em eventos
culturais”.
É inacreditável que isso tenha acontecido. Você há
de dizer: “mas é em Curitiba”, só que com os meios de comunicação, com a
Internet, isso se espalha de Curitiba ao Rio de Janeiro, São Paulo, Pequim,
Roma etc. Eu não vou ler porque seria uma afronta a mim mesmo e à dignidade da
pessoa as argumentações que essas figuras deploráveis colocam como
justificativa. São vários absurdos e eu preferi trazer um texto para a
reflexão.
“A deficiência no ser humano, em qualquer de suas
modalidades, evidentemente não é tema novo. No entanto, a preocupação com a sua
prevenção e a proteção das pessoas com deficiência são temas recentes. Um
importante divisor de águas para o estudo da proteção das pessoas com deficiências
foi a ocorrência das duas grandes guerras mundiais, o que fez aumentar,
desgraçadamente, o número de pessoas com deficiência de locomoção, de audição e
de visão. Esse agravamento do número de pessoas com deficiências fez com que
esse drama ficasse exposto de forma mais incisiva, exigindo do Estado uma
posição de agente protetor. Cada ordenamento jurídico trata o tema com
características especiais. Há países em que a proteção é mais efetiva, apesar
de inexistir qualquer comando, em nível constitucional, para garantir essa
proteção. De outro lado, podemos encontrar países - e infelizmente nos
encontramos nesse rol - em que, apesar da garantia constitucional, o tema é
tratado de forma insuficiente pelo legislador infraconstitucional e pelas
autoridades em geral.
Por certo que, no Brasil, as guerras mundiais não
acarretaram a conscientização do problema da deficiência, tal como ocorreu no
velho continente. Entre nós, o número elevado de pessoas com deficiência não
tem a mesma causa dos países da Europa e dos Estados Unidos. Nosso índice
assustador se deve aos acidentes de trânsito, à carência alimentar e à falta de
condições de higiene. Essa taxa da deficiência no Brasil, que atinge 10% da
população, fator reconhecido pela Organização das Nações Unidas, só recentemente
resultou em preocupação constitucional. Assim, com exceção da regra isonômica,
a proteção das pessoas com deficiência nunca foi tema constante dos textos
constitucionais brasileiros.
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, trouxe a
primeira notícia de proteção específica à pessoa com deficiência. A Emenda nº
12, de 1978, ampliou esses direitos, estando os mesmos presentes na Carta
Política de 1988. O problema das pessoas com deficiência, todavia, não se
restringe apenas a uma proteção, visando à inclusão social. Deve-se ter em
conta a prevenção da deficiência, o que leva o estudioso para as áreas de
alimentação, saúde pública e outros campos das políticas públicas.
Os índices fornecidos pela Organização das Nações
Unidas são, no mínimo, alarmantes e a taxa é elevadíssima. A questão não se
limita, porém, ao problema da proteção do Estado. O relacionamento do portador
de deficiência se inicia, muitas vezes, com o total despreparo dos pais para
receberem um filho portador de deficiência. Qual o pai ou a mãe que pensaria
que seu filho poderia nascer portador de deficiência? O casal está preparado —
e isso é compreensível — para receber um bebê sem qualquer problema. Todos os
projetos e expectativas têm, como alvo, uma criança sem nenhuma deficiência.
Assim, no caso de deficiência congênita ou adquirida durante o nascimento, a
criança começa a enfrentar seus primeiros problemas, oriundos da rejeição, em
razão do despreparo de seus pais. O relacionamento com estes últimos não chega
a ser o único obstáculo vivido pelas pessoas com deficiência. A convivência
social é outra barreira bastante grande. Quantos indivíduos, por exemplo, estão
preparados para manter relacionamento com urna criança com Síndrome de Down?
Quantas pessoas se sentem tranquilas para manter uma conversação, sem
constrangimentos, com uma pessoa paraplégica? Por mais que nos sintamos
amadurecidos para enfrentar essa situação, a pessoa com deficiência notará
certa ansiedade e algum desconforto nesse relacionamento, no mínimo, por falta
de naturalidade. Isto se deve à circunstância de que a inclusão dos indivíduos
deficientes não é exercitada pela sociedade como um todo.
O fato macabro de Curitiba é muito triste.
Portanto, é muito triste constatamos que ainda existem pessoas que não têm
sensibilidade para questões tão humanas quanto as que dizem respeito às pessoas
portadoras de deficiência. Esse episódio de Curitiba não pode ser repetido”.
Muito obrigado, Senhor Presidente.