terça-feira, 27 de novembro de 2012

Moradores reclamam da UPP.

Reunidos no morro Dona Marta, em Botafogo, representantes de diversas comunidades denunciaram a truculência dos policiais militares com os moradores das favelas ao discutirem os problemas das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP): "Eles reprimem a nossa liberdade", queixou-se Deise Carvalho, moradora do Cantagalo.

Estes representantes participavam do seminário "Favela é cidade: as UPPs, a proposta de pacificação e a população do Rio de Janeiro”. A ideia era dar voz aos moradores que, segundo organizadores, são os mais afetados pelas UPP's. A proposta é um balanço do projetos nestes anos, apresentando denúncias e ressalvas, por parte daqueles que são alvo das ações do governo.

“Nesses fóruns sobre UPP social é sempre o governo que fala, com poucos representantes das comunidades. A ideia aqui é dar voz à população”, explica uma das organizadoras do evento, a doutora em ciências políticas Sonia Fleury, da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ).

Além dela, estiveram presentes Machado da Silva, Luis Carlos Fridman e Lia Rocha do Coletivo de Estudos Sobre Violência e Sociabilidade (CEVIS); Alan Brum, da Ong Raízes em Movimento; Monica Francisco, moradora do Borel; o Rapper Fiel do Santa Marta; Lula, morador do Chapéu Mangueira; Arley Macedo, da Rocinha;, Cleonice Dias, que trabalha na Cidade de Deus; Dejanira Deise e Deise Carvalho, moradoras do Cantagalo.

Falta de investimento.

Uma critica recorrente nas comunidades pacificadas é com relação a falta de investimentos em serviços públicos e na área social. “O Beltrame sempre falou que as UPPs só podem dar certo se não for apenas repressão. Mas não acho que esteja havendo investimentos do Estado na área social da mesma forma que teve na ocupação territorial. Só vemos coisas muito fracas”, reclama Fleury.

A ex-comandante da UPP do Santa Marta, major Priscilla Azevedo compareceu ao eventoA ex-comandante da UPP do Santa Marta, major Priscilla Azevedo, concorda que é preciso melhorar a prestação de serviços públicos nas comunidades. Ela conta que a demora para a chegada desses serviços, prejudica, inclusive, a imagem da polícia.

“Há essa confusão com relação à prestação de serviços públicos. A polícia não está deixando de trabalhar, o que falta é o Estado melhorar a prestação de serviços. A polícia apenas abre o caminho para as companhias de luz, de lixo. Cabe aos moradores cobrar a melhoria destes serviços”, afirma.

Serviços ineficientes

O encarregado da limpeza urbana no Dona Marta, Roberto Gonçalves, trabalha há 43 anos como gari. Ele esclarece que o serviço de limpeza está presente na favela, no entanto, reclama do pequeno número de garis: são apenas 12 homens responsáveis pela limpeza e coleta de lixo em toda a comunidade. “Aqui ,no mínimo, precisaria de 30 garis. Você já imaginou 10 garis pra varrer esse morro todo? É muita viela pra 10 garis”, aponta.

Apesar de o serviço de coleta estar presente, a comunidade sofre com o despejo irregular de lixo. Não são poucos os locais onde ele se acumula a céu aberto. “As pessoas jogam nas valas, nos muros. Estão jogando lixo atrás do bonde, um dia isso vai trazer problema”, alerta.

Na opinião do gari, é preciso conscientizar os moradores: “Falta principalmente educação. As lixeiras estão quebradas porque jogam entulho nelas. Nós esvaziamos este contêiner dia sim, dia não. Se todo mundo descesse com o lixo isto seria feito diariamente”, critica.

O gari Roberto Gonçalves reclamava da quantidade pequena de profissionais no localLíder comunitária da Cidade de Deus, Cleonice Dias, foi uma das palestrantes a apresentar duras criticas ao modo com que os policiais operam nas comunidades. Segundo ela, a polícia tem papéis sociais diferentes na Zona Sul, onde é protetora, e para as favelas, onde é repressora.

Ela insiste que as mudanças precisam ser "mais estruturais", afirmando que as UPPs ainda significam muito pouco perto "das necessidades de décadas de desigualdade dentro das comunidades". Segundo Cleonice, a pacificação é uma medida necessária apenas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas acontecerem. Apesar das críticas, no cenário atual, ela ainda é a favor do projeto. “Se ficarmos só na UPP a gente perde o foco. Se largarmos a UPP, a gente perde o bonde”, enfatiza.

Denúncias

Não faltou quem reclamasse da truculência de alguns policiais militares com a população das favelas. A líder comunitária, Deise Carvalho relatou diversas histórias e denunciou soldados que trabalham em sua comunidade. " A denúncia é importante, porque as pessoas precisam saber o que está sendo feito dentro das áreas pacificadas", contou.

Segundo ela, policiais do local procuram, "deliberadamente", por meninos e meninas que já tiveram passagem na polícia para acusá-los de outros crimes, já que ganham bonificação toda vez que realizam uma nova apreensão. Além disso, afirma que "todas as denúncias" feitas por moradores contra os policiais das UPP's é "misteriosamente arquivada".

"Já abordaram meu filho uma vez, uniformizado, e o agrediram simplesmente porque ele não queria abrir a mochila. Fiz a denúncia, e na audiência simplesmente arquivaram o caso, sem nenhuma justificativa. Tinha testemunhas, relatos e não aconteceu nada", reclama. Mesmo assim, a moradora faz questão de separar o joio do trigo. "Tem exemplos bons. Mas são poucos", finalizou.