terça-feira, 12 de julho de 2011

QUEM ERA ITAMAR ...

 Agora que serenou o show com que a mídia nacional passou a tratar os obituários desde a morte do querido e admirável doutor Tancredo, é que trato a perda de Itamar Franco, com quem tive o privilégio de privar durante longos anos.

Itamar era o retrato do Brasil, nas virtudes e nas falhas. Homem correto e de bem, como a maioria dos brasileiros; franco, ingênuo e cordial com noção da dignidade, como nossa gente. Bravo e destemido quando convencido de que estava defendendo o bem comum. Grande para admirar e respeitar os adversários. Democrata para reconhecer os méritos dos que pensavam de maneira diferente.

Sabia ouvir e seguir amigos nos quais confiava, embora nem sempre convencido. Como dos saudosos e admiráveis José Aparecido de Oliveira e José de Castro Ferreira. No caso de José de Castro, sou testemunha de episódio que poderia ter mudado a história do Brasil. Um equivocado e despreparado, bem intencionado, entretanto, o convencera a determinar um congelamento de preços no início do Real, na fase da URPs. FHC, executor do plano, sabia que congelamento não combinava com um planejamento sério e resolveu renunciar à candidatura. José de Castro pegou um avião, no final da noite, acordou Itamar e interrompeu a impressão do Diário Oficial. Salvou a todos. Itamar acordou, o recebeu e cedeu com patriotismo. FHC recuou da renúncia, e o programa foi mantido.

FHC foi levado pela sua corte, nem sempre educada, à cumplicidade na campanha para desacreditar o seu criador. Mas sua emoção no enterro demonstra um reconhecimento digno de sua personalidade de homem elegante e sério. Itamar foi mais seletivo no círculo mais íntimo, em que prevalecia sua forma cordial e austera de fazer política. Foi um opositor altivo dos governos militares, respeitando sempre as Forças Armadas.

A privatização da CSN – a primeira de vulto no Brasil, é bom lembrar –, sofrida para um nacionalista, que acreditava no Estado-empresário, foi uma operação de sucesso. Ele não queria, mas sabia que era para o bem do país.

Tinha a coragem e a coerência dos homens “sem rabo preso”, como diz o povo. Acreditou na ética, no exemplo, e pode ter errado na visão macroeconômica, no papel do Estado, tanto como presidente como governador. Mas tinha uma proteção especial quando decidia contra o que parecia ser o mais recomendado. Foi o caso da Cemig, que a privatização era aconselhável. Ele resistiu e fez da empresa uma referência de sucesso no Brasil, a tal ponto que Aécio, seu jovem e moderno sucessor, manteve o modelo e deu continuidade ao êxito. E, hoje, a Cemig é estrela nas bolsas de Nova York e Madri.

Sua boa-fé o levou a decepção com seu partido, o PMDB, que lhe negou a legenda para postulação presidencial, com reais chances. Mas o destino o fez morrer senador em memorável eleição, contando com a lealdade do governador, do companheiro de chapa Aécio e a proteção divina para vencer a máquina federal e o próprio PMDB que o rejeitara.

Foi homenageado por todos antecessores e sucessores. A presidente Dilma foi impecável. A verdade prevaleceu, enfim. Ficava aborrecido, com toda razão, quando tentavam lhe negar iniciativas como o Real e os genéricos. Com a diferença de quem nunca foi fraco, tolerante com abusos nem vaidoso, muito menos oportunista e deslumbrado. Deixou um exemplo. Inclusive o de se considerar um ser normal e não um messias ou refundador do Brasil. Era simples como o brasileiro e, por isso, foi tão respeitado e amado.

De Aristóteles Drummond ( Jornalista)

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