Estudo diz que partes da região podem perder até 90% de suas espécies, se não forem recuperadas até daqui a 40 anos .
A pior parte de fazer dívidas com o cartão de crédito é que uma hora a cobrança chega e nem sempre se está preparado. O mesmo vale para o chamado débito de extinção da Amazônia.
Estudo divulgado este mês na revista 'Science' mostra que o boleto com as dívidas de 30 anos de desmatamento da Amazônia pode causar desfalques sérios ao “capital natural” do Brasil. Entre eles, está a perda de 80 a 90% de espécies de animais em locais devastados, se as áreas não forem recuperadas.
Um trio de pesquisadores da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, liderado pelo ecólogo Robert Ewers, do Imperial College de Londres, dividiu territórios da Amazônia em vários estados em “lotes” de 50 por 50 quilômetros. Os cientistas levaram em conta as taxas de desmatamento na região de 1978 a 2008 e os tipos de espécies animais que vivem em cada um deles — mamíferos, aves e anfíbios.
Com base nessa pesquisa, foi traçado o “débito de extinção”: a dívida que cada lote deve pagar, em espécies, pelos 30 anos de desmatamentos que aniquilaram o habitat dos bichos. Alguns dos lotes correm o risco de perder de a 80 e 90% das espécies.
“Um dos méritos da pesquisa é levar em conta o tipo de espécie de cada um dos ‘lotes’”, afirma o ecólogo Thiago Rangel, da Universidade Federal de Goiás, revisor brasileiro do estudo.
A situação é tão grave que espécies estão ameaçadas de desaparecer do planeta. “O trio de pesquisadores não especificou quais, mas sabe-se que alguns animais das áreas analisadas são espécies endêmicas: ou seja, se forem extintas da Amazônia, vão sumir de todo o planeta”, explica.
A boa notícia é que parte do débito ainda não foi “descontado” da conta: se o País conseguir recompor os “ lotes”, dezenas de espécies podem ser salvas (veja o infográfico ao lado). É aí que, segundo Thiago Rangel, da Universidade Federal de Goiás, entra o novo Código Florestal Brasileiro.
Segundo o ecólogo, vários pontos dele ameaçam avanços no combate ao desmatamento na Amazônia, obtidos com o monitoramento por satélite das áreas afetadas, aumento do número de fiscais do Ibama e multas, entre outras iniciativas. Hoje, o desmatamento no Brasil cresce em ritmo igual a 20% do que era registrado há 20 anos.
Rangel explica que o cancelamento de crédito a quem desmata ilegalmente e a queda do preço da soja e da carne ajudaram. “O debate político e jurídico sobre o novo código ainda vai durar meses e anos, mas, de cara, sabemos que fatores como redução das APPS e das matas em área ciliar e encostas de morros levariam à diminuição da cobertura vegetal”, diz o ecólogo.
A situação é preocupante sobretudo na região onde acontece a transição do cerrado para a Amazônia. Thiago Rangel chama a atenção ainda para a mensagem errada que podem trazer planos de “perdão” a quem fez desmatamento ilegal e redimensionamento oficial de áreas de proteção para a instalação de usinas hidrelétricas.
Segundo Robert Ewers, principal ecólogo responsável pelos estudos, a literatura científica ainda não aponta a extinção de nenhuma espécie de animal na Amazônia, principalmente porque o desmatamento se concentrou históricamente no sul e leste da região. Ele não descarta, entretanto, que alguns animais já tenham sumido da região.