No cemitério de Teresópolis, 305 covas foram abertas às pressas na tragédia das chuvas de janeiro de 2011. Foto: Bruno Gonzalez / EXTRA
A chuva de janeiro de 2011 na Região Serrana do Rio provocou 905 mortes. Oficialmente, há ainda 191 desaparecidos. Mas, após cinco meses de apuração, o EXTRA prova com documentos que é mais elevado o número de vítimas da maior tragédia climática do Brasil.
Seja para moradores ou especialistas, os números oficiais das chuvas na Serra não batem. Ambos recorrem a dados geográficos e populacionais das localidades atingidas e, mais ainda, se debruçam sobre o cenário de holocausto daquela região.
- O evento impressiona pelo grau de perdas documentadas e não documentadas. Apenas por observação de campo, sabemos que perdemos muito mais pessoas do que foi noticiado. Há áreas, como a Posse, em Teresópolis, onde fica Campo Grande, que se mantêm abandonadas até hoje - garante Ana Luiza Coelho, coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia da UFRJ, que há 40 anos se dedica a estudos de encostas no Brasil.
Em Campo Grande, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), moravam cerca de 1.256 pessoas, distribuídas em cerca de 350 casas. Mas depois da tragédia, somente 64 moradias ficaram de pé. O resto foi esmagado por toneladas de pedras e lama que deslizaram dos morros ao redor.
- Não pode ter tido apenas 142 mortos aqui. Esse número de 191 desaparecidos, então... Eu e minha equipe resgatamos cerca de 300 pessoas aqui no Campo Grande - afirma Altanir de Souza Rocha, funcionário da Defesa Civil de Teresópolis, que trabalhou na tragédia.
Moradores da Região Serrana, protagonistas do desastre, são unânimes ao duvidar das listas divulgadas na época.
- Morto não faz cadastro. As famílias inteiras que morreram não vão ser contadas nunca - defende Paulo Soares, de Teresópolis.
E outro número que sustenta esta suspeita vem das concessionárias de energia elétrica. Segundo André Moragas, diretor de relações institucionais e comunicação da Ampla (que atende Teresópolis, Petrópolis e Sumidouro), 8.844 medidores de energia desapareceram na noite de 12 de janeiro de 2011. São clientes que jamais voltaram a contatar a empresa.
- Enquanto eu sobrevoava a região no dia da tragédia, via a quantidade de pedra que desceu e os leitos de rios que mudaram. Então, comentava que o número de mortos iria superar 500 só na região que nós atendemos. E superou - conta.
Em Nova Friburgo, ocorreram 3.622 deslizamentos em 12 horas. Cemitério de Rio Grandina, naquele município. Foto: Bruno Gonzalez / EXTRA
A mesma situação vive Nova Friburgo, onde o diretor da Energisa, Marcelo Vinhaes Monteiro, confirma o desaparecimento de clientes.
- Em Friburgo, 887 unidades consumidoras deixaram de existir. Os clientes não voltaram a contatar com a empresa. Outras duas mil foram desligadas por solicitação do próprio cliente ou por estarem interditadas pela Defesa Civil.
Para Moacyr Duarte, especialista em gerenciamento de riscos, planejamento e catástrofes, o evento na serra se assemelhou a um terremoto de grande magnitude ou a uma tsunami.
- Em Teresópolis, bairros inteiros foram varridos do mapa por uma grande quantidade de água que também removeu os corpos de lugar - sustenta.
Numa busca solitária, o borracheiro Osvanor Cardinot, de 54 anos, não desiste de localizar o corpo da neta Laís, de um ano e sete meses, desaparecida no Condomínio do Lago, em Nova Friburgo. Até hoje, ele percorre com um cajado o terreno hoje coberto por cerca de cinco metros de lama e mato e, ainda, reclama do trabalho das equipes de resgate.
Osvanor Freitas Cardinot perdeu a neta, Laís, no deslizamento que cobriu o Condomínio do Lago, em Teresópolis. Até hoje o corpo não foi localizado. Foto: Cléber Júnior / Extra
Osvanor viu quando a menina se soltou dos braços da mãe dela, enquanto os três e outros quatro membros da famílias tentavam se salvar no escuro em meio a três avalanches que soterraram mais da metade do condomínio.
- Quando estava sendo socorrido, avisei para não meterem as máquinas porque o corpinho dela estava por cima da terra, mas embaixo d'água. Mas meteram as conchas e quebraram tudo. Não tiveram sensibilidade. Não pensaram. Uma criança de um ano e sete meses vai virar o quê, né?