sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Lula , o câncer , o SUS e o Sírio.

  
Texto de Élio Gaspari , publicado no Jornal O GLOBO , em 2 de novembro de 2011.

AS PESSOAS que estão reclamando porque Lula não foi tratarseu câncer no SUS dividem-se em dois grupos: um foi atrás da piada fácil, eruim; o outro, movido a ódio, quer que ele se ferre. Na rede pública de saúde,em 1971, Lula perdeu a primeira mulher e um filho. Em 1998, o metalúrgicotornou-se candidato à Presidência da República e pegou pesado: "Eu não seise o Fernando Henrique ou algum governador confiaria na saúde pública para setratar". Nessa época acusava o governo de desossar o SUS, estimulando amigração para os planos privados. Quando Lula chegou ao Planalto, havia 31,2milhões de brasileiros no mercado de planos particulares. Ao deixá-lo, essaclientela era de 45,6 milhões, e ele não tocava mais no assunto.


Em 2010, Lulainaugurou uma Unidade de Pronto Atendimento do SUS no Recife dizendo que"ela está tão bem localizada, tão bem estruturada, que dá até vontade deficar doente para ser atendido". Horas depois, teve uma crise dehipertensão e internou-se num hospital privado.

Lula percorreu todoo arco da malversação do debate da saúde pública. Foi de vítima a denunciante,passou da denúncia à marquetagem oficialista e acabou aninhado noSírio-Libanês, um dos melhores e mais caros hospitais do país. Melhor para ele.(No andar do SUS, uma pessoa que teve dor de ouvido e sentiu algo esquisito nagarganta leva uns 30 dias para ser examinada corretamente, outros 76, na média,para começar um tratamento quimioterápico, 113 dias se precisar deradioterapia. No andar de Lula, é possível chegar-se ao diagnóstico numa sextae à químio, na segunda. A conta fica em algo como R$ 50 mil.)

Lula, DilmaRousseff e José Alencar trataram seus tumores no Sírio. Lá, Dilma recebeu umadroga que não era oferecida à patuleia do SUS. Deve-se a ela a inclusão dorituximab na lista de medicamentos da saúde pública.

Os companheirosdescobriram as virtudes da medicina privada, mas, em nove anos de poder, poucofizeram pelos pacientes da rede pública. Melhoraram o acesso aos diagnósticos,mas os tratamentos continuam arruinados. Fora isso, alteraram o nome doInstituto Nacional do Câncer, acrescentando-lhe uma homenagem a José Alencar,que lá nunca pôs os pés. Depois de oito anos: 1 em cada 5 pacientes de câncerdos planos de saúde era mandado para a rede pública. Já o tucanato, tendocriado em São Paulo um centro de excelência, o Instituto do Câncer OctavioFrias de Oliveira, por pouco não entregou 25% dos seus leitos à privataria. (Ainiciativa, do governador Geraldo Alckmin, foi derrubada pelo Judiciáriopaulista.)

A luta de JoséAlencar contra "o insidioso mal" serviu para retirar o estigma dadoença. Se o câncer de Lula servir para responsabilizar burocratas que comprammamógrafos e não os desencaixotam (as comissões vêm por fora) e médicos que nãocomparecem ao local de trabalho, as filas do SUS poderão diminuir. Poderáservir também para acabar com a política de duplas portas, pelas quais osclientes de planos privados têm atendimento expedito nos hospitais públicos.

Lula soube cuidarde si. Delirou ao tratar da saúde dos outros quando, em 2006, disse que "oBrasil não está longe de atingir a perfeição no tratamento de saúde". Estáprecisamente a 33 quilômetros, a distância entre seu apartamento de SãoBernardo e o Sírio.


O Brasil de Nosso Guia está a 33 quilômetros da " perfeição no tratamento de saúde ".












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