Depois de recomendação para não renovar contratos com ONG, município passou a pagar valores 60% mais altos para manutenção de abrigos. Programa começou em 2009 e, até hoje, não há licitação
No momento em que a prefeitura do Rio tenta ampliar a estrutura para acolhimento e tratamento de usuários de crack, o Tribunal de Contas do Município (TCM) aponta indícios de superfaturamento e irregularidades nos convênios firmados com instituições que mantêm os abrigos.
A falta de licitação e o elevado custo dos serviços levaram o TCM a recomendar, em outubro do ano passado, que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social não renovasse os convênios com a ONG Casa Espírita Tesloo, mantidos desde 2009. A ONG firmou, naquele ano, com a prefeitura um contrato no valor de 375 mil reais para abrigar menores usuários de drogas. O contrato recebeu aditivos até chegar ao valor de 7,5 milhões de reais. O último aditivo, que coincidiu com a explosão do crack no Rio, em 2011, previa o pagamento de 3,9 milhões de reais por 13 meses de trabalho da Tesloo, para atendimento de 160 menores.
A Secretaria obedeceu à recomendação do TCM. Mas estranhamente decidiu pagar ainda mais caro pelo serviço. O município contratou por 2,9 milhões de reais, também sem licitação, o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds), para abrigar a mesma quantidade de pacientes – 160, como a Tesloo – mas por período de seis meses. Ou seja: no período da primeira ONG, o valor era de 1.901 reais por vaga. A partir do novo contrato, cada menor passou a custar 3.048 reais, sem alteração no serviço prestado, 60% a mais que no contrato anterior. Os dados estão na Controladoria Geral do Município.
Em nota, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social argumentou que "os preços foram readequados (...) para atender às exigências do Ministério Público". A secretaria alega que a readequação provocou a "criação de novos cargos para compor equipes multidisciplinares" e a necessidade de "alteração de suporte para infraestrutura das unidades, alterando o valor do convênio com o CIEDS".
As decisões do Tribunal de Contas consideram apenas o que está registrado no papel. Há outros indícios de que o tratamento dispensado pelo Rio aos usuários do crack precisa de ajustes. Dos cinco abrigos mantidos com o dinheiro da Prefeitura, três ficam em Guaratiba, distante cerca de 60 km do Centro do Rio. Chegar a esses locais não é tarefa simples, o que dificulta o contato dos menores com os pais – um desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente – e prejudica o tratamento. As três ficam em áreas pobre, com ruas sem asfalto e sem identificação.
Na vizinhança de um deles, visitado pelo site de VEJA, os moradores evitam comentar o assunto. Os que aceitam falar pedem para não ter os nomes revelados. Dois vizinhos do Centro de Atendimento à Dependência Químico Bezerra de Menezes, destinado a meninas, contaram que costumam ver adolescentes correndo em fuga com as sandálias nas mãos. O local, que não tem qualquer placa de identificação, lembra um presídio. É cercado por muros com cerca de dois metros de altura. Na entrada, um portão de ferro impede a visão do que ocorre lá dentro.
"Elas fogem e os seguranças aparecem atrás com motos e carros. Eles reclamam se a gente não avisa que tem alguém fugindo. Já vi muita menina chorando, pedindo para não ser castigada. Elas dizem que quando uma foge, todas apanham”, conta uma moradora que pede para não ser identificada.
Outra moradora diz já ter visto uma adolescente grávida sendo obrigada a fazer exercícios na rua com outras sob o sol forte. “O solo era muito irregular. Ela parecia cansada e acabou caindo e se cortando em um toco”, disse a jovem, que teve medo de denunciar o caso.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social afirmou ainda que não recebeu denúncia sobre castigos a adolescentes no abrigo feminino de Guaratiba, mas afirmou que vai apurar o caso. A assessoria do órgão informou ainda que possui equipes de supervisão, que monitoram os abrigos.
CPI – Eleito pelo PSOL, o vereador Renato Cinco afirmou que tentará criar uma CPI sobre a internação compulsória no Rio. “Não há preocupação com o tratamento dos menores internados nos abrigos. Relatórios indicam uma série de problemas, como o uso de medicação padrão, igual para todos os menores. Além disso, falta transparência dos gastos. O contrato com o Cieds, por exemplo, não deixa claro quantas crianças serão atendidas”, afirma o vereador, que precisará ter 17 assinaturas para instaurar a CPI. Renato questiona ainda os resultados da internação compulsória.
A informação sobre o número de menores atendidos nos abrigos geridos pelo Cieds foi repassada à reportagem do site de VEJA pela assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Assistência Social.
Relatório da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), realizado em junho do ano passado após vistorias nos abrigos destinados a menores no Rio, apontou a precariedade do atendimento. O documento indica, além da medicação generalizada para todos os pacientes, a inexistência de informação consolidada sobre os efeitos do tratamento e a existência de apenas um psiquiatra para quatro estabelecimentos. Além da “a privação de liberdade, inclusive com a existência de grades nas portas e janelas de alguns deles”, relatos de contenção física de menores com mãos e pés amarrados, limitação a um ou dois dias para contato telefônico com a família e a dificuldade de acesso aos locais.
O relatório da comissão, assinado também pelo Conselho Regional de Psicologia, foi criticado pelo prefeito Eduardo Paes por ter sido publicado em plena campanha eleitoral. E o presidente da comissão de Direitos Humanos era também o candidato do PSOL à prefeitura, Marcelo Freixo.
No momento em que a prefeitura do Rio tenta ampliar a estrutura para acolhimento e tratamento de usuários de crack, o Tribunal de Contas do Município (TCM) aponta indícios de superfaturamento e irregularidades nos convênios firmados com instituições que mantêm os abrigos.
A falta de licitação e o elevado custo dos serviços levaram o TCM a recomendar, em outubro do ano passado, que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social não renovasse os convênios com a ONG Casa Espírita Tesloo, mantidos desde 2009. A ONG firmou, naquele ano, com a prefeitura um contrato no valor de 375 mil reais para abrigar menores usuários de drogas. O contrato recebeu aditivos até chegar ao valor de 7,5 milhões de reais. O último aditivo, que coincidiu com a explosão do crack no Rio, em 2011, previa o pagamento de 3,9 milhões de reais por 13 meses de trabalho da Tesloo, para atendimento de 160 menores.
A Secretaria obedeceu à recomendação do TCM. Mas estranhamente decidiu pagar ainda mais caro pelo serviço. O município contratou por 2,9 milhões de reais, também sem licitação, o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds), para abrigar a mesma quantidade de pacientes – 160, como a Tesloo – mas por período de seis meses. Ou seja: no período da primeira ONG, o valor era de 1.901 reais por vaga. A partir do novo contrato, cada menor passou a custar 3.048 reais, sem alteração no serviço prestado, 60% a mais que no contrato anterior. Os dados estão na Controladoria Geral do Município.
Em nota, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social argumentou que "os preços foram readequados (...) para atender às exigências do Ministério Público". A secretaria alega que a readequação provocou a "criação de novos cargos para compor equipes multidisciplinares" e a necessidade de "alteração de suporte para infraestrutura das unidades, alterando o valor do convênio com o CIEDS".
As decisões do Tribunal de Contas consideram apenas o que está registrado no papel. Há outros indícios de que o tratamento dispensado pelo Rio aos usuários do crack precisa de ajustes. Dos cinco abrigos mantidos com o dinheiro da Prefeitura, três ficam em Guaratiba, distante cerca de 60 km do Centro do Rio. Chegar a esses locais não é tarefa simples, o que dificulta o contato dos menores com os pais – um desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente – e prejudica o tratamento. As três ficam em áreas pobre, com ruas sem asfalto e sem identificação.
Na vizinhança de um deles, visitado pelo site de VEJA, os moradores evitam comentar o assunto. Os que aceitam falar pedem para não ter os nomes revelados. Dois vizinhos do Centro de Atendimento à Dependência Químico Bezerra de Menezes, destinado a meninas, contaram que costumam ver adolescentes correndo em fuga com as sandálias nas mãos. O local, que não tem qualquer placa de identificação, lembra um presídio. É cercado por muros com cerca de dois metros de altura. Na entrada, um portão de ferro impede a visão do que ocorre lá dentro.
"Elas fogem e os seguranças aparecem atrás com motos e carros. Eles reclamam se a gente não avisa que tem alguém fugindo. Já vi muita menina chorando, pedindo para não ser castigada. Elas dizem que quando uma foge, todas apanham”, conta uma moradora que pede para não ser identificada.
Outra moradora diz já ter visto uma adolescente grávida sendo obrigada a fazer exercícios na rua com outras sob o sol forte. “O solo era muito irregular. Ela parecia cansada e acabou caindo e se cortando em um toco”, disse a jovem, que teve medo de denunciar o caso.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social afirmou ainda que não recebeu denúncia sobre castigos a adolescentes no abrigo feminino de Guaratiba, mas afirmou que vai apurar o caso. A assessoria do órgão informou ainda que possui equipes de supervisão, que monitoram os abrigos.
CPI – Eleito pelo PSOL, o vereador Renato Cinco afirmou que tentará criar uma CPI sobre a internação compulsória no Rio. “Não há preocupação com o tratamento dos menores internados nos abrigos. Relatórios indicam uma série de problemas, como o uso de medicação padrão, igual para todos os menores. Além disso, falta transparência dos gastos. O contrato com o Cieds, por exemplo, não deixa claro quantas crianças serão atendidas”, afirma o vereador, que precisará ter 17 assinaturas para instaurar a CPI. Renato questiona ainda os resultados da internação compulsória.
A informação sobre o número de menores atendidos nos abrigos geridos pelo Cieds foi repassada à reportagem do site de VEJA pela assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Assistência Social.
Relatório da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), realizado em junho do ano passado após vistorias nos abrigos destinados a menores no Rio, apontou a precariedade do atendimento. O documento indica, além da medicação generalizada para todos os pacientes, a inexistência de informação consolidada sobre os efeitos do tratamento e a existência de apenas um psiquiatra para quatro estabelecimentos. Além da “a privação de liberdade, inclusive com a existência de grades nas portas e janelas de alguns deles”, relatos de contenção física de menores com mãos e pés amarrados, limitação a um ou dois dias para contato telefônico com a família e a dificuldade de acesso aos locais.
O relatório da comissão, assinado também pelo Conselho Regional de Psicologia, foi criticado pelo prefeito Eduardo Paes por ter sido publicado em plena campanha eleitoral. E o presidente da comissão de Direitos Humanos era também o candidato do PSOL à prefeitura, Marcelo Freixo.