Deputado apresentou pedido de CPI antes da Operação Monte Carlo, mas foi ignorado
Os desdobramentos da Operação Monte Carlo, que desmontou a quadrilha do contraventor Carlinhos Cachoeira, acertaram em cheio a Delta, uma das principais empreiteiras do país. Líder em projetos contratados pelo PAC, a empreiteira recebeu R$ 2,9 bilhões da União e R$ 1,4 bilhão do governo do estado do Rio de Janeiro desde 2007. De acordo com as gravações da Polícia Federal, Cachoeira teria envolvimento direto com a Delta, agindo como lobista da empresa junto a agentes públicos.
A bomba pegou muita gente de surpresa, mas não quem acompanha o cenário político fluminense. Desde o ano passado, parlamentares de oposição na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) tentam emplacar uma investigação da empreiteira, mas sempre acabaram vencidos pela ampla maioria da bancada governista. Coincidentemente, Sérgio Cabral é amigo próximo do dono da Delta, Fernando Cavendish, e foi justamente durante o seu mandato que a empresa disparou como uma das principais parceiras do governo estadual.
“A Alerj não blindou apenas os pedidos de investigação da Delta. Ela blinda o Cabral e seu governo de qualquer investigação parlamentar, o que fere um dos principais deveres do Poder Legislativo”, critica o deputado estadual Paulo Ramos (PDT). Responsável pelo pedido de investigação da Delta em 2011, ele desqualificou as medidas do governador contra a Delta. “Quando ele foi flagrado junto com o Cavendish, em Trancoso (BA), criou uma comissão de ética formada por seus aliados. Agora que a Delta foi flagrada nesse escândalo com o Cachoeira, novamente colocou pessoas ligadas a ele para investigar os contratos. Não há isenção alguma”.
Pedido de CPI do ano passado mostra que deputados já suspeitavam da Delta, de Fernando Cavendish .O incidente em Trancoso, ao qual o deputado se refere, foi a queda de um helicóptero que levava parentes de Sérgio Cabral e Fernando Cavendish para comemorar o aniversário do empreiteiro, em junho do ano passado. A tragédia expôs a proximidade do governador com o dono de uma das empresas mais beneficiadas pelos contratos estaduais e foi o pivô de uma série de críticas e pedidos de investigação que não foram levados adiante. Com ampla maioria na Alerj, o PMDB e seus aliados puseram panos quentes no assunto.
“Essas revelações não nos surpreendem nem um pouco. Toesa, Facility, Delta. Todas estas grandes empresas parceiras do governo do estado e envolvidas em escândalos de corrupção já foram denunciadas na Alerj, mas nada segue adiante”, explica a deputada Janira Roca (Psol). “E é importante entender com que tipo de empresas estamos lidando. Não são empresas interessadas em corromper um deputado ou um vereador, eles vão diretamente nas pessoas que batem o martelo, integrantes do Poder Executivo. E são sempre as mesmas empresas, integrantes de grandes consórcios, como no caso da Transcarioca, do Comperj, o Maracanã”.
Para o deputado Luiz Paulo (PSDB), blindagem da Alerj prejudicou próprio governo .Para o parlamentar, estas denúncias só são levadas adiante quando há grande comoção popular ou pressão da imprensa. Do contrário, elas caem no esquecimento.
“A própria CPI das Milícias, proposta pelo Marcelo Freixo (Psol), foi ignorada durante muito tempo. Ela só foi tocada quando uma série de eventos colocaram as milícias em evidência e não havia mais como segurar a investigação”, recorda Janira. Para ela, uma investigação profunda nos contratos do governo do estado com empreiteiras seria revelador. “O Cachoeira é pinto perto do que acontece aqui”.
Investigações ignoradas ferem Constituição, diz deputado.
O Cachoeira é pinto para o que acontece no Rio de Janeiro .Graças às revelações da Operação Monte Carlo e da CPI montada em Brasília para apurar o envolvimento de políticos com Carlinhos Cachoeira, foi cogitada a convocação de Sérgio Cabral para esclarecer suas relações com Fernando Cavendish. Enquanto o PMDB manobra para que a lama não resvale no governador, o deputado Luiz Paulo (PSDB) aponta que um governo mais transparente beneficiaria até o próprio Cabral.
“Se essas investigações fossem autorizadas anteriormente, provavelmente essa relação promíscua do poder público com as empreiteiras não chegasse ao ponto em que chegou. Eu costumo dizer que a oposição é a maior aliada do governo. Quando ele é blindado pelo Poder Legislativo, no caso, a Alerj, o governo não consegue corrigir seus próprios erros”, disse o deputado, que apontou as contradições do governo estadual desde a explosão do escândalo da Delta. “Nós sempre pedimos a auditoria dos contratos da Delta e sempre fomos negados. Agora, ele (Cabral) está iniciando uma auditoria”.
Segundo o deputado Paulo Ramos, a resistência do governo em permitir as investigações parlamentares, além do viés político, beira a ilegalidade.
“Alguns pedidos de CPI aqui na Alerj tiveram o número de assinaturas necessárias para ter seus trabalhos iniciados, mas nunca foram constituídas. Isso fere a Constituição Federal”, ressalta Paulo Ramos, que vê a Delta no mesmo patamar de empresas como Odebrecht, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa. “Todas essas grandes empreiteiras foram flagradas como corruptoras no escândalo dos Anões do Orçamento. Eu era deputado federal em Brasília naquela ocasião e me recordo muito bem. O estilo é o mesmo.” ( JB , 27/4/12)