quinta-feira, 29 de setembro de 2011

É comum que a cúpula da PM-RJ se envolva em mortes.




O envolvimento da cúpula da polícia do RJ em crimes de execução não é nenhuma novidade, segundo afirma o ex-secretário nacional de Segurança Pública, ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro e co-autor dos livros Elite da Tropa 1 e 2, antropólogo Luiz Eduardo Soares.

Para ele, a prisão do ex-comandante da Polícia Militar do RJ, tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira, acusado de ser o mentor do assassinato da juíza Patrícia Acioli, executada com 21 tiros em 11 de agosto, está sendo equivocadamente tratada como um caso isolado.

Segundo Soares, há um padrão de comportamento institucionalizado da polícia, que silencia, estimula e aplaude execuções extrajudiciais cometidas por policiais. "Infelizmente esse não é uma caso único, não é um caso isolado. Eu fui exonerado do governo do Rio (onde ocupava o cargo de Secretário de Segurança), em março de 2000, por ter denunciado esse fato (envolvimento da alta cúpula da polícia em crimes). Então, essa denúncia é antiga, conhecida", disse o antropólogo.

"A cada momento que aparece um episódio mais evidente, mais ostensivo, todos se chocam, mas sempre tarde demais, e só no momento de uma tragédia", critica.

A proximidade da cúpula da PM-RJ com o crime se tornou ainda mais evidente com o pedido de demissão do comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte. Em seu pedido de demissão, Duarte diz: a escolha de Cláudio Luiz "não pode ser atribuída a nenhuma pessoa a não ser a mim".

Segundo Luiz Eduardo Soares, a juíza assassinada era uma das poucas que investigavam casos de mortes ocorridas em autos de resistência, ou seja, em confrontos com a polícia. Segundo ele, essas ocorrências são usadas como disfarce para as execuções extrajudiciais realizadas pela polícia.

"No Rio de Janeiro, de 2003 a 2010 tivemos 8.708 mortes provocadas por ações policiais", relata Soares. "Sabemos que a maioria desses casos não tem nada a ver com os autos de resistência, não tem nada a ver com ação legal. Tem a ver com execução extrajudicial. E por que que isso continua com números elevadíssimos, com o Rio de Janeiro como recordista mundial, com mais de mil mortes por ano? Porque a instituição não só é tolerante, como estimula", acusa.

Soares acredita que se as instituições adotassem a postura correta, tratando essas execuções como crimes, o problema poderia ser resolvido. "Se a instituição tratasse isso como crime, cessava no mesmo momento, porque os superiores, diante de cada caso, afastariam os policiais, fariam um levantamento do que aconteceu, reveriam os padrões de treinamento e capacitação e reveriam que valores são esses que estão permitindo coisas desse tipo, ainda mais com o silêncio dos colegas", afirma.

O problema se arrasta há décadas, afirma Soares, e revela um padrão de comportamento da polícia, que vê como positiva a eliminação de pessoas consideradas inimigas do sistema. Além disso, apesar do choque social que a execução da juíza provoca na sociedade, esse comportamento criminal institucionalizado da polícia ainda é deixado de lado quando se apuram os motivos do que aconteceu.

"Quando um fato se repete, não só sempre nem regularmente, como em grande escala, você não tem casos individuais, você tem um padrão, e se isso se repete ao longo de décadas, a ponto de se tornar previsível, como as pesquisas demonstram, isso realmente não está em uma dimensão individual, mas sim em uma dimensão padronizada e institucionalizada, que é aceita e repetida pela instituição", analisa.

Para o antropólogo, aos olhos da sociedade, a complexidade do problema é omitida, e os esclarecimentos sobre a morte da juíza acabam sendo encarados como se fossem casos individuais, e não fruto de uma conduta que é apoiada dentro dos batalhões.

"As questões fundamentais não são mencionadas e tudo passa a ser definido como problema individual, de desvio de conduta, então, uma vez punido o indivíduo, tudo está resolvido, mas se fosse assim, não teríamos esse tipo de coisa se repetindo há 20, 30 anos. Ninguém quer ver o óbvio porque isso significa ter de mudar essas polícias de uma maneira radical, acabar com essa estrutura que herdamos da ditadura, e essa questão não entra em pauta apesar das denúncias e das críticas que muitos de nós fazemos. Continuamos com esse cortejo patético de omissões e de retórica", afirma.

Segundo ele, essa postura da Polícia Militar, com valores contrários à legalidade, envolve a instituição como um todo, que faz com que a "cúpula da polícia, do batalhão e os colegas ocultem todos os casos, finjam que não estão vendo. Praticam por omissão ou por ação e aplaudem, porque acham que isso faz parte da guerra, que é muito bom eliminar aqueles que são definidos como inimigos, é claro que isso segue".

Ele diz que a mudanças devem vir das esferas superiores do poder com ação do Executivo e do Legislativo, já que a atividade policial é regulamentada pela Constituição.

"É claro que se o governo federal tivesse interesse em agir teria que assumir uma liderança nesse debate, porque sem o protagonismo do Ministério da Justiça, o Congresso não vai se mexer. Tem muita gente boa que lá que tenta, mas a maioria não quer tocar no assunto. Governos estaduais também têm responsabilidade, evidentemente. Eles não podem mudar porque é inconstitucional, mas podem pressionar. Eles não pressionam o Congresso e suas bancadas para tanta coisa quando querem? Por que que não pressionam para essa questão?", questiona. ( Fonte : JB)







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