No clamor popular, manifestações superam até futebol
Sociólogos analisam essa nova ordem, rara no país da bola
Desde que a população decidiu ir para a rua em protestos contra o aumento das tarifas de ônibus, há cerca de duas semanas, poucos imaginavam a proporção que tal movimento iria tomar. Paralelo às manifestações, a seleção se preparava para a disputa da Copa das Confederações, fato que se destacava dentro dos noticiários do país. Hoje, de conversas em bares a debates na televisão, a equipe de Felipão fica em segundo plano.
O torcedor brasileiro, que não possui mais uma relação calorosa com a seleção brasileira, mostra que o fanatismo pelo futebol não supera o sentimento de indignação e revolta contra corrupção e a revogação de seus direitos. Para o sociólogo Ronaldo Helal, o governo pode ter imaginado que, ao anunciar o aumento da tarifa de ônibus durante a Copa das Confederações, a população poderia relevado a nova medida, justamente por estar atento à disputa da competição:
“Se os prefeitos de Rio e São Paulo pensaram nisso, foi um tiro pela culatra, porque no período durante a Copa, a mídia internacional fica muito mais voltada ao Brasil, aumentando o poder de uma manifestação popular. Há quem diga que o futebol acoberta os equívocos governamentais, mas o povo não é tão burro assim”, explica Helal, que é professor de comunicação social da Uerj.
O futebol, que poderia ser uma forma de colocar panos quentes nas discussões, nesse caso se torna um dos alvos de reivindicação popular. Os altos investimentos públicos em estádios para a Copa do Mundo são justamente um dos pilares de indignação do povo. De acordo com dados divulgados na terça-feira (18) pelo Ministério do Esporte, o custo com as obras para a Copa do Mundo chegou a R$ 28 bilhões, e a previsão é de que alcance R$ 33 bilhões. No entanto, Helal defende que a revolta popular, nesse cenário, não afeta o fanatismo pelo esporte, mas se canaliza contra a corrupção da Fifa e os gastos superfaturados para que o país sedie o evento:
“O torcedor brasileiro há muito tempo se preocupa mais com seus clubes do que com a seleção. Não há mais uma torcida exacerbada para o Brasil, como existia nas copas de 50 e 70, por exemplo. Não são as manifestações que irão distanciar ainda mais a torcida da seleção. O descontentamento vem crescendo, aparte o futebol. Os torcedores mostraram que podem gostar do esporte e ter consciência política ao mesmo tempo”, diz Helal .
O não fanatismo momentâneo pelo futebol é algo que não caracteriza uma surpresa para o professor de sociologia da Facha, Gilson Caroni. Afastando o rótulo de “povo preguiçoso e acomodado”, muitas vezes injustamente utilizado, ele relembra que já houve diversos momentos em que o torcedor brasileiro ignorou a seleção para lutar por seus direitos:
“Já tivemos as diretas, o movimento pelo impeachment do Collor, as manifestações contra a privatização no governo FHC, e, antes disso, a campanha do " petróleo é nosso. O brasileiro continua apaixonado por futebol. Apenas, as obras para a Copa, o superfaturamento e a revelação da precária infraestrutura urbana foram o estopim", explica Caroni, relembrando que as reivindicações difusas ajudam a manter um movimento heterogêneo, que reúne diversas figuras, torcedores de futebol ou não.