terça-feira, 5 de janeiro de 2016

1ª Parte do Grande Expediente 26/03/2015 16ª Sessão

1ª Parte do Grande Expediente
26/03/2015



16ª Sessão


Senhor Presidente, caros vereadores, senhoras e senhores: nós estamos vivendo um dualismo, o que significa que temos uma realidade constitucional e uma realidade do dia a dia.
A realidade constitucional determina que a criança seja alvo da proteção integral – isso diz a Constituição brasileira. A realidade do dia a dia, através da mídia e de nossos comportamentos em geral, ainda está defendendo a doutrina da situação irregular. Mas, o que é isso? A doutrina da situação irregular e a doutrina da proteção integral?
O que está no dia a dia é a doutrina da situação irregular, que tem como base o Código de Mello Mattos, de 1927. Vejam bem, Código de Mello Mattos, de 1927. O que dizia esse código? Qual era o pensamento? Qual era o norte desse código? Ele instituía a figura do Juiz de Menores. A função dele era tomar decisões quanto ao destino dos adolescentes, autores de atos infracionais. Veja bem a cabeça. O pensamento dominante não era de proteção da criança e do adolescente, mas de recolhimento com a finalidade de proteger a sociedade.
Então, essa era a visão do Código de 1927 que até hoje está vigindo na cabeça das pessoas, em contraposição ao que diz nossa Constituição.
O que é a proteção integral? Ela surge em 1946, com o fim da guerra, portanto, um ano depois, em virtude de milhares de crianças, milhões de crianças ficarem órfãs e, portanto, portadoras de necessidade, na época, e que precisaram de uma proteção dos Estados. A criança, então, a partir dessa doutrina, passa a ser reconhecida como sujeito de direito. Isso em 1946. No Brasil, somente em 1988, com a Constituição, em seu Art. 227, é que essa doutrina da proteção integral passa a fazer parte do documento magno de nossa Pátria.
Mas vejamos bem a contradição: embora em 1988, isso já faça parte da Constituição, no dia a dia, estamos vivendo ainda a doutrina de 1927, em que as pessoas somente pensam em proteger a sociedade e não a criança. Esse é o pensamento reinante.
O Art. 227 da Constituição, portanto, o artigo que defende a proteção integral da criança e do adolescente, diz o seguinte, para nós raciocinarmos: é dever da família, em primeiro lugar, da sociedade e do Estado assegurar direitos à criança e ao adolescente com absoluta prioridade. Vejam bem, os agentes são a família, a sociedade e o Estado. E a prioridade absoluta para quê? Primeiro, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade. Esses são os direitos. Segundo, ao respeito. A criança tem direito ao respeito. Terceiro, a criança tem direito à liberdade. Isso é prioridade. A convivência familiar ia colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão.
Vejam bem que o artigo é muito sábio, muito rico, e permite que a gente faça algumas reflexões. Quais são as reflexões que podemos fazer então desse artigo? Primeiramente, ele sinaliza que os direitos da criança e dos adolescentes são de responsabilidade das gerações adultas. Somos nós. E quantas vezes ouvimos falar assim: “A essas crianças falamos somente de direitos? E os deveres?” Os deveres são dos adultos. Os deveres constitucionalmente são dos adultos. Não há que se cobrarem deveres de crianças, a não ser os deveres comezinhos, aqueles normais, fazer a criança estudar. Mas isso é questão da família cobrar. Segundo, a família, a sociedade, o Estado são as três instâncias reais e formais de garantia desses direitos. Portanto, não é a criança; somos nós. A família é a esfera inicial natural e básica dessa tensão. Com esse modelo neoliberal que nós temos, a desintegração da família está ai. Portanto, quem deveria ser o primeiro núcleo, o primeiro agente a garantir esses direitos está completamente desintegrado.
Ao Estado cabe garantir as condições mínimas para que a família exerça o seu papel. Portanto o segundo agente, que é o Estado, não tem políticas públicas para que essa família já desintegrada, já com dificuldades, supra, de forma alguma, essas carências que a família tem em exercer as suas obrigações.
A expressão prioridade absoluta indica que, em qualquer circunstância, o interesse da criança deverá prevalecer. Ainda em relação ao Art. nº 227, o emprego da palavra direito - e não necessidades - significa que a criança e o adolescente deixam de ser encarados como portadores de necessidades e passam a ser vistos como detentoras de todos os direitos fundamentais que um adulto tem, claro, adaptados à sua idade. Não há que se falar, portanto, em obrigações de crianças, são direitos, ou então que se rasgue a Constituição.
Para disciplinar a Constituição Brasileira, esse Art. nº 227 vem em 1990, portanto há 25 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente que regulamenta as conquistas em favor das crianças e dos adolescentes expressos nessa Constituição de que falamos, que é a vigente, e esse estatuto é reconhecido como modelo de legislação para infância em todo mundo. Mas a gente houve muita gente criticando: Ah, depois que o ECA apareceu a marginalidade subiu. Quer dizer, a culpa é da legislação, as pessoas não querem assumir que a sociedade, a família e o Estado não cumprem o seu papel. Nele, nesse estatuto, a criança e o adolescente constituem sujeitos de direito ratificando o que diz a Constituição e não mais meros objetos de intervenção social e jurídica e por isso a família, a sociedade e o Estado têm que assumir o seu papel.
Para finalizar, Senhor Presidente, as conclusões. Mas não basta que os direitos estejam no papel. É preciso um sistema que garanta esses direitos. A promoção dos direitos se faz com efetiva implementação das políticas de atendimento que devem ocorrer de forma articulada, e não segmentada, como já falamos aqui em outros momentos. Para um futuro melhor para as nossas crianças, não faltam leis e, sim, políticas consistentes, por isso é importante saber de quem cobrar e o que cobrar. Para isso, Senhor Presidente, o Poder Público e, no caso, defendemos insistentemente que a Prefeitura mande um projeto de lei para esta Casa, para estabelecermos aqui a criação da Secretaria da Criança e do Adolescente, para que essas políticas públicas possam efetivamente ser implementadas e para que nós possamos cobrar.

Muito obrigado.