terça-feira, 5 de janeiro de 2016

1ª Parte do Grande Expediente 23/06/2015 Discurso 49ª Sessão

1ª Parte do Grande Expediente
23/06/2015

Discurso


49ª Sessão

Senhor Presidente, senhores vereadores, senhoras e senhores: nos últimos dias nós temos nos deparado com um amplo noticiário e com acontecimentos que nos têm causado muita espécie. E nós resolvemos abordar, trazer aqui à Tribuna. Trata-se da intolerância religiosa, uma questão que não é comum no Brasil, mas que nos últimos dias tem ganhado noticiário e tem trazido preocupação para quem é equilibrado, para quem é brasileiro, porque o Brasil não tem essa característica.
Então, nós resolvemos trazer a manchete do dia 16 de junho de 2015, que diz assim:
“Intolerância religiosa leva menina a ser apedrejada na cabeça. Garota de 11 anos, iniciada no Candomblé foi a vítima. Parentes dizem ter sido xingados por grupo. Eles gritaram: sai Satanás; queima! Vocês vão para o inferno.”
O SR. PROF. CÉLIO LUPPARELLI - No dia 18, portanto dois dias depois, lê-se a manchete:
“Mago denuncia novo caso de intolerância; templo foi apedrejado. Segundo responsável do local, um dos autores do ataque carregava um livro preto. Ao todo, seis pedras foram recolhidas”.

O SR. CÉLIO LUPPARELLI - Ainda no dia 18:

“Rio é o estado com mais casos de intolerância religiosa contra crianças. Dados são do Disque 100 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
De acordo com dados do Disque 100 da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2011 e 2014, o Estado do Rio registrou o maior número de casos envolvendo intolerância religiosa contra crianças e adolescentes.
Nesses quatro anos, foram feitas 16 denúncias. Em segundo lugar está São Paulo com 11 casos. Em seguida Bahia, e Ceará com sete.
O SR. CÉLIO LUPPARELLI - Até aí é noticiário comum, mas, no jornal O Dia, dois dias depois da última manchete que eu li, está estampado aqui: “Em nome de Deus, pastor e jornalista trocam ofensas. Ricardo Boechat xingou Silas Malafaia de otário. O religioso revidou e o acusou de covarde. Disse Ricardo Boechat: você é um tomador de grana, você e outros muitos, não tenho medo de você, seu otário, vai procurar uma rola, repetindo em português bem claro”.
A gente fez questão de trazer esse noticiário que está aqui. No momento em que um jornalista do porte do Senhor Ricardo Boechat e um líder religioso da importância do Senhor Silas Malafaia trazem, portanto, para contenda, um tema religioso, com essa descortesia tão grave, a gente não pode esperar que os fiéis a ele subordinados e os ouvintes do Senhor Ricardo Boechat tenham equilíbrio, evidentemente. Então, é uma coisa muito séria, quando ganha essas proporções. Intolerância para o Senhor Ricardo Boechat e para o Senhor Silas Malafaia. Eu gostaria de dizer o seguinte: intolerância é sinal de falta de argumento, de pobreza de espírito e de fraqueza. Vejam o que disse Nelson Mandela — estou me referindo ao Senhor Ricardo Boechat e ao Senhor Silas Malafaia: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por religião. Para odiar as pessoas, precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Era preciso que o Senhor Boechat e o Senhor Silas Malafaia conhecessem um pouco da legislação brasileira, que diz o seguinte:
A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra as religiões.
Em tal lei, são considerados crimes de discriminação ou preconceito contra religiões as práticas prescritas nos seguintes artigos”.
O SR. CÉLIO LUPPARELLI - Vou ler, para que aprendam, principalmente o Senhor Silas Malafaia e o Senhor Ricardo Boechat, porque parece que eles não leram essa lei.
Então, vamos lá, o artigo 3º diz: 'Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos", é crime. “Art. 4º: Negar ou obstar emprego em empresa privada”, é crime. “Art. 5º: Recusar, negar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador", é crime. “Art. 6º: Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau", é crime. “Art. 7º: Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar", também é crime. “Art. 8°: Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público", é crime.
Portanto, nós temos aqui, e eu não vou ficar lendo todos e vou pedir apenas que o Senhor Silas Malafaia e o Senhor Ricardo Boechat ouçam seus fiéis e os seus ouvintes, respectivamente, para que seja esclarecido tudo o que está previsto em lei! Tudo isso é crime!
Além disso, para que o Senhor Silas Malafaia e o Senhor Ricardo Boechat tenham mais esclarecimentos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos diz o seguinte, em seu Artigo 18: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
Ainda para o Senhor Silas Malafaia e para o Senhor Ricardo Boechat, é preciso um pensamento, uma reflexão: Deus quer que seus filhos e filhas vivam em paz, como irmãos e irmãs. Ou Alá quer que seus filhos e filhas vivam em paz, como irmãos e irmãs. Ou então, Javé quer que seus filhos e filhas vivam em paz, como irmãos e irmãs. Ou ainda, Olorum quer que seus filhos e filhas vivam em paz, como irmãos.
Isso quer dizer, Senhor Silas Malafaia e Senhor Ricardo Boechat, que Deus, Alá, Javé, Olorum, o Grande Espírito, a Deusa, todos, são muitos os nomes pelos quais os seres humanos chamam o criador, mas a vontade d’Ele, do Criador, é uma só: que seus filhos e filhas vivam em paz, como irmãos e irmãs. Se essa é a vontade do Criador, quem somos nós para desafiá-la? E, no entanto, nós a desafiamos. Todas as vezes que discriminamos nosso semelhante porque ele pensa diferente, ou faz suas preces de maneira diferente, ou chama o Criador por um nome diferente, desafiamos Sua vontade. Porque Ele deu a seus filhos e filhas a maior de todas as graças: a capacidade de pensar, de pensar livremente, de pensar diferente! Quem somos nós, então, para desafiar a vontade do Criador? Entretanto, nós a desafiamos, discriminamos, ofendemos, praticamos atos de violência contra nosso semelhante, com a desculpa de que ele é diferente. Foi assim no princípio dos tempos e ainda é nos dias de hoje.
O Estado Brasileiro, Senhor Silas Malafaia, Senhor Ricardo Boechat, é laico. Isso significa que ele não deve ter e não tem religião. Tem, sim, o dever de garantir a liberdade religiosa.
Diz o Artigo 5º, Inciso VI, da Constituição: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e às suas liturgias.”
“A liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais da humanidade”, como afirma a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual nosso país é signatário.
A pluralidade constituída por várias raças, culturas, religiões, permite que todos sejam iguais, cada um com suas diferenças. É o que faz do Brasil o Brasil. Certamente, deveríamos, pela diversidade de nossa origem, pela convivência entre os diferentes, servir de exemplo para o mundo. No Brasil de hoje, a intolerância religiosa não produz guerras, nem matanças. Entretanto, muitas vezes o preconceito existe e se manifesta pela humilhação imposta àquele que é diferente.
Outras vezes o preconceito se manifesta pela violência. No momento em que alguém é humilhado, discriminado, agredido devido a sua cor ou a sua crença, ele tem seus direitos constitucionais, seus direitos humanos violados. Esse alguém é vítima, é um crime e o Código Penal Brasileiro prevê punição para os criminosos.
Encerrando, Senhor Ricardo Boechat,

Senhor Silas Malafaia: invadir terreiros de umbanda e candomblé que, além de lugares sagrados de culto, são também guardiões da memória de povos arrancados da África e escravizados no Brasil. Invadir é desrespeitar a espiritualidade dos povos indígenas ou tentar impor a eles a visão da sua religião, é falso. Agredir os ciganos e impor à sua etnia e crença, motivo que os levou ao seu quase extermínio na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, tudo isso é intolerância, é discriminação contra religiões. Espero ter contribuído, principalmente para abrir a mente de pessoas obtusas e que lutam em público por uma questão em que não deveriam ter razão, tanto o Sr. Silas Malafaia quanto o Sr. Ricardo Boechat. Muito obrigado.