No Rio, calamidade pública na saúde pode levar a despesas sem controles .Medida permite contratação se concurso e compras sem licitações
A situação caótica da saúde, que os prefeitos recém-empossados em municípios da Região Metropolitana do Rio alegam ter encontrado, está levando estes novos governantes a decretarem estado de calamidade pública. Com isso, as novas administrações ganham uma espécie de alvará para, pelo período em que perdurar a emergência, contratarem profissionais sem concurso público e realizarem compras de equipamentos, materiais e medicamentos sem licitação.
A decretação da calamidade pública na área da saúde foi um expediente usado em março de 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante de um quadro também caótico na saúde pública da cidade do Rio de Janeiro. Aliás, uma das maiores farsas vistas no País em todos os tempos.
Através do Decreto Nº 5.392 ele transferiu para a administração federal o comando de seis hospitais do Rio de Janeiro – Lagoa, Andaraí, Ipanema, Cardoso Fontes (Jacarepaguá), Miguel Couto (Leblon) e Souza Aguiar (Centro). Durante o período desta “intervenção branca”, o Ministério da Saúde estava autorizado a requisitar “outros serviços de saúde públicos e privados disponíveis, com vistas ao restabelecimento da normalidade dos atendimentos”.
O decreto também autorizava “as compras emergenciais de equipamentos, medicamentos, insumos e suprimentos”. Também permitia “promover a contratação temporária de pessoal, em caráter excepcional, com vistas a suprir as necessidades dos hospitais”. Ou seja, liberava compras sem licitações e contratações sem concursos.
Calamidade diminui o controle
Para o secretário-executivo da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, a decretação de calamidade pública na área da saúde – que para ele é novidade – se assemelha aos decretos de calamidade pública em municípios afetados por desastres naturais. Segundo ele, isto se dá porque os governos alegam que os processos são mais ágeis quando existe esse caráter emergencial:
"Quando se declara calamidade pública, o governo envia com mais rapidez os decretos e diminui os trâmites burocráticos. Há uma indústria da calamidade pública, na melhor das intenções, para diminuir os trâmites. Agora, se diminui a burocracia, diminui também o controle e podem aumentar as fraudes", diz Castello Branco.
Ao que parece, o quadro caótico a que se referem os prefeitos teve como causa as tentativas de privatizações do atendimento médico em alguns municípios ou a utilização de mão de obra terceirizada, através de Organizações Sociais de Interesse Público (Oscips), Organizações Sociais e cooperativas, que ajudavam aos antigos administradores fugirem do rigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, como expuseram procuradores da República e promotores de Justiça do estado em uma Ação Civil Pública (ACP) contra o ex-prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito (PP), acusado de improbidade administrativa. Com os repasses de verbas a estas ONGs, os gastos do município, mesmo com o pagamento de pessoal, passam a ser contabilizados como custeio.
Caxias: desvios de R$ 700 milhões
Na sua administração, o então prefeito Zito repassou a administração dos hospitais e postos de saúde a duas Oscip que consumiram cerca de R$ 700 milhões mas, ainda assim, não conseguiram atender a população a contento.
Apesar do quadro caótico encontrado ao tomar posse, com hospitais com as emergências superlotadas, enfermarias repletas de moscas e mosquitos e muita sujeira, problemas nas equipes profissionais, o novo prefeito Alexandre Cardoso (PSB) foi o único a não decretar a calamidade pública.
Nesta sexta-feira (25), a assessoria do prefeito informou que o município já reassumiu o controle da gestão da saúde. Em um acordo com o Ministério Público, a nova administração foi autorizada, em caráter emergencial, e pelo período máximo de seis meses, contratar entidades privadas. A prefeitura alega que este tipo de contrato servirá para cobrir a atual carência de profissionais para o atendimento necessário à população.
Nova Iguaçu: concursados convocados
Já em Nova Iguaçu, o prefeito Nelson Bornier decretou o estado de calamidade pública logo ao assumir e encontrar o Hospital da Posse e as unidades da rede básica e mistas "completamente sucateadas (algumas fechadas) e sem condições sanitárias e humanas de prestarem atendimento à população".
Mas, pelo menos em um primeiro momento, não há planos de contratação imediata de Organizações Sociais (OS), ou entidades privadas, para gerir unidades de saúde. Antes pelo contrário, no que parece um primeiro passo para retomar a administração do pessoal da saúde pelo município, nesta sexta-feira (25) foram convocados 122 médicos aprovados em concurso público realizado em junho passado. Eles substituirão os profissionais terceirizados usados na administração anterior.
O orçamento da pasta de saúde de Nova Iguaçu, atualmente, gira em torno de R$ 8 milhões, incluídos repasses federais. A prefeitura, porém, alega que tais valores estão defasados, tendo em vista que a rede privada conveniada ao município está com os pagamentos atrasados há um ano. Com a decretação da calamidade pública, o prefeito Bornier já recorreu aos gabinetes de Brasília reivindicando um aumento maior das verbas repassadas. Nada se falou ainda da compra de remédios, materiais hospitalares, equipamentos e obras que podem ser feitas neste período emergencial.
Niterói não especifica caminho
Em Niterói, a nova administração decretou situação de calamidade pública na quinta-feira (24), três semanas após o prefeito Rodrigo Neves (PT) ter assumido. O secretário municipal da Saúde, o deputado Chico D'Ângelo (PT) justificou o ingresso da pasta no estado de emergência por conta de um 'conjunto de fatores'. Segundo ele, que já ocupou o cargo entre os anos de 2002 e 2006, isto é, no primeiro governo de Roberto da Silveira (PDT) que passou o cargo a Neves, o município começou a apresentar piora nos indicadores de saúde.
"Nos últimos anos, a taxa de mortalidade parou de diminuir. Há carência nas cirurgias eletivas, que foi agravada com o fechamento do serviço no Hospital Municipal Carlos Tortelly. O hospital Orêncio de Freitas, que contava com 80 leitos, hoje tem apenas 20 para internação", disse D'Ângelo.
Também foi complicado o quadro de pessoal encontrado:
"No início dessa gestão, ao analisar a situação dos servidores, diagnosticamos 1,8 mil profissionais contratados em regime de RPA (Recibo de Pagamento a Autônomo), com salários de dezembro em atraso. Tivemos de empenhar verba de 2013 para quitar as dívidas. Este é o quadro que temos de reverter", explicou o secretário em conversa com o JB na quinta-feira. Mas ele não quis responder de forma clara se a nova administração tem em vistas as terceirizações. Tampouco negou que vá fazê-las:
"Além dos RPA, existe profissionais do Médico de Família, contratados em regime de CLT, mas através das associações de moradores. O programa funciona, mas não queremos que a coisa funcione desta maneira”, encerrou sem especificar que caminho seguirá com a decretação do Estado de Calamidade Pública.
Nilópolis: salvação virá do governo estadual
Em Nilópolis, segundo a prefeitura de Alessandro Calazans (PMN), a situação de calamidade pública foi decretada após ser constatado o "péssimo estado das instalações do Hospital Municipal Juscelino Kubitschek", atualmente interditado.
O prefeito pretende reformar a unidade realizando obras orçadas em R$ 5 milhões. Contará com a ajuda do governo estadual, confirmada pelo secretário de Saúde do estado, Sérgio Côrtes, que garantiu equipar o hospital.
De acordo o governo municipal, a situação é tão crítica que somente a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) é capaz de oferecer atendimento de emergência 24 horas por dia.
"A partir do início das obras, a prefeitura estima que o Hospital volte a funcionar dentro de um ano", diz em nota.
Com essa situação, o município não tem previsão nem para realizar novos concursos públicos nem para contratar médicos terceirizados. "Todos os médicos concursados do município alocados no Hospital Juscelino Kubitschek foram remanejados para as demais unidades de saúde da cidade", afirma a prefeitura de Nilópolis.
A situação caótica da saúde, que os prefeitos recém-empossados em municípios da Região Metropolitana do Rio alegam ter encontrado, está levando estes novos governantes a decretarem estado de calamidade pública. Com isso, as novas administrações ganham uma espécie de alvará para, pelo período em que perdurar a emergência, contratarem profissionais sem concurso público e realizarem compras de equipamentos, materiais e medicamentos sem licitação.
A decretação da calamidade pública na área da saúde foi um expediente usado em março de 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante de um quadro também caótico na saúde pública da cidade do Rio de Janeiro. Aliás, uma das maiores farsas vistas no País em todos os tempos.
Através do Decreto Nº 5.392 ele transferiu para a administração federal o comando de seis hospitais do Rio de Janeiro – Lagoa, Andaraí, Ipanema, Cardoso Fontes (Jacarepaguá), Miguel Couto (Leblon) e Souza Aguiar (Centro). Durante o período desta “intervenção branca”, o Ministério da Saúde estava autorizado a requisitar “outros serviços de saúde públicos e privados disponíveis, com vistas ao restabelecimento da normalidade dos atendimentos”.
O decreto também autorizava “as compras emergenciais de equipamentos, medicamentos, insumos e suprimentos”. Também permitia “promover a contratação temporária de pessoal, em caráter excepcional, com vistas a suprir as necessidades dos hospitais”. Ou seja, liberava compras sem licitações e contratações sem concursos.
Calamidade diminui o controle
Para o secretário-executivo da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, a decretação de calamidade pública na área da saúde – que para ele é novidade – se assemelha aos decretos de calamidade pública em municípios afetados por desastres naturais. Segundo ele, isto se dá porque os governos alegam que os processos são mais ágeis quando existe esse caráter emergencial:
"Quando se declara calamidade pública, o governo envia com mais rapidez os decretos e diminui os trâmites burocráticos. Há uma indústria da calamidade pública, na melhor das intenções, para diminuir os trâmites. Agora, se diminui a burocracia, diminui também o controle e podem aumentar as fraudes", diz Castello Branco.
Ao que parece, o quadro caótico a que se referem os prefeitos teve como causa as tentativas de privatizações do atendimento médico em alguns municípios ou a utilização de mão de obra terceirizada, através de Organizações Sociais de Interesse Público (Oscips), Organizações Sociais e cooperativas, que ajudavam aos antigos administradores fugirem do rigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, como expuseram procuradores da República e promotores de Justiça do estado em uma Ação Civil Pública (ACP) contra o ex-prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito (PP), acusado de improbidade administrativa. Com os repasses de verbas a estas ONGs, os gastos do município, mesmo com o pagamento de pessoal, passam a ser contabilizados como custeio.
Caxias: desvios de R$ 700 milhões
Na sua administração, o então prefeito Zito repassou a administração dos hospitais e postos de saúde a duas Oscip que consumiram cerca de R$ 700 milhões mas, ainda assim, não conseguiram atender a população a contento.
Apesar do quadro caótico encontrado ao tomar posse, com hospitais com as emergências superlotadas, enfermarias repletas de moscas e mosquitos e muita sujeira, problemas nas equipes profissionais, o novo prefeito Alexandre Cardoso (PSB) foi o único a não decretar a calamidade pública.
Nesta sexta-feira (25), a assessoria do prefeito informou que o município já reassumiu o controle da gestão da saúde. Em um acordo com o Ministério Público, a nova administração foi autorizada, em caráter emergencial, e pelo período máximo de seis meses, contratar entidades privadas. A prefeitura alega que este tipo de contrato servirá para cobrir a atual carência de profissionais para o atendimento necessário à população.
Nova Iguaçu: concursados convocados
Já em Nova Iguaçu, o prefeito Nelson Bornier decretou o estado de calamidade pública logo ao assumir e encontrar o Hospital da Posse e as unidades da rede básica e mistas "completamente sucateadas (algumas fechadas) e sem condições sanitárias e humanas de prestarem atendimento à população".
Mas, pelo menos em um primeiro momento, não há planos de contratação imediata de Organizações Sociais (OS), ou entidades privadas, para gerir unidades de saúde. Antes pelo contrário, no que parece um primeiro passo para retomar a administração do pessoal da saúde pelo município, nesta sexta-feira (25) foram convocados 122 médicos aprovados em concurso público realizado em junho passado. Eles substituirão os profissionais terceirizados usados na administração anterior.
O orçamento da pasta de saúde de Nova Iguaçu, atualmente, gira em torno de R$ 8 milhões, incluídos repasses federais. A prefeitura, porém, alega que tais valores estão defasados, tendo em vista que a rede privada conveniada ao município está com os pagamentos atrasados há um ano. Com a decretação da calamidade pública, o prefeito Bornier já recorreu aos gabinetes de Brasília reivindicando um aumento maior das verbas repassadas. Nada se falou ainda da compra de remédios, materiais hospitalares, equipamentos e obras que podem ser feitas neste período emergencial.
Niterói não especifica caminho
Em Niterói, a nova administração decretou situação de calamidade pública na quinta-feira (24), três semanas após o prefeito Rodrigo Neves (PT) ter assumido. O secretário municipal da Saúde, o deputado Chico D'Ângelo (PT) justificou o ingresso da pasta no estado de emergência por conta de um 'conjunto de fatores'. Segundo ele, que já ocupou o cargo entre os anos de 2002 e 2006, isto é, no primeiro governo de Roberto da Silveira (PDT) que passou o cargo a Neves, o município começou a apresentar piora nos indicadores de saúde.
"Nos últimos anos, a taxa de mortalidade parou de diminuir. Há carência nas cirurgias eletivas, que foi agravada com o fechamento do serviço no Hospital Municipal Carlos Tortelly. O hospital Orêncio de Freitas, que contava com 80 leitos, hoje tem apenas 20 para internação", disse D'Ângelo.
Também foi complicado o quadro de pessoal encontrado:
"No início dessa gestão, ao analisar a situação dos servidores, diagnosticamos 1,8 mil profissionais contratados em regime de RPA (Recibo de Pagamento a Autônomo), com salários de dezembro em atraso. Tivemos de empenhar verba de 2013 para quitar as dívidas. Este é o quadro que temos de reverter", explicou o secretário em conversa com o JB na quinta-feira. Mas ele não quis responder de forma clara se a nova administração tem em vistas as terceirizações. Tampouco negou que vá fazê-las:
"Além dos RPA, existe profissionais do Médico de Família, contratados em regime de CLT, mas através das associações de moradores. O programa funciona, mas não queremos que a coisa funcione desta maneira”, encerrou sem especificar que caminho seguirá com a decretação do Estado de Calamidade Pública.
Nilópolis: salvação virá do governo estadual
Em Nilópolis, segundo a prefeitura de Alessandro Calazans (PMN), a situação de calamidade pública foi decretada após ser constatado o "péssimo estado das instalações do Hospital Municipal Juscelino Kubitschek", atualmente interditado.
O prefeito pretende reformar a unidade realizando obras orçadas em R$ 5 milhões. Contará com a ajuda do governo estadual, confirmada pelo secretário de Saúde do estado, Sérgio Côrtes, que garantiu equipar o hospital.
De acordo o governo municipal, a situação é tão crítica que somente a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) é capaz de oferecer atendimento de emergência 24 horas por dia.
"A partir do início das obras, a prefeitura estima que o Hospital volte a funcionar dentro de um ano", diz em nota.
Com essa situação, o município não tem previsão nem para realizar novos concursos públicos nem para contratar médicos terceirizados. "Todos os médicos concursados do município alocados no Hospital Juscelino Kubitschek foram remanejados para as demais unidades de saúde da cidade", afirma a prefeitura de Nilópolis.