Senhor Presidente, senhores vereadores, senhoras e senhores.
No Rio de Janeiro, o Estado, enquanto Instituição, se omite – e podemos quase que afirmar que se diluiu, que desapareceu – pelo menos na sua essência, pelo menos na sua origem, na razão pela qual ele existiu ou existe!
Vivemos hoje uma situação de insegurança total. E aí motivado pelo que nós vimos ontem pela televisão, especialmente pelo que aconteceu em Madureira, é muito simbólico para a gente trazer um pouco de história, um pouco da razão de existir do Estado.
Trouxemos a opinião de um dos filósofos, um dos pensadores mais ilustres. Considerado como um dos teóricos do poder absolutista em vigor na Idade Moderna, Thomas Hobbes viveu entre 1588 e 1679. Para Hobbes, o Estado deveria ser a instituição fundamental para regular as relações humanas, dado o caráter da condição natural dos homens que os impele à busca do atendimento de seus desejos de qualquer maneira, a qualquer preço, de forma violenta, egoísta, isto é, movida por paixões.
Portanto, na opinião de Hobbes, o Estado seria criado, ou foi criado, com essa intenção: por um freio nessa volúpia, nessa agressividade dos homens. Ele afirmava que os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito, pois cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele atribui a si próprio. Dessa forma, tal situação seria propícia para uma luta de todos contra todos pelo desejo do reconhecimento, pela busca da preservação da vida e da realização daquilo que o homem, juiz de suas ações, deseja. Deste ponto de vista surgiria a famosa expressão de Hobbes: “O homem é o lobo do homem”.
Daí, nas palavras de Hobbes, “se dois homens desejam a mesma coisa [...], eles se tornam inimigos”. Todos seriam livres e iguais para buscarem o lucro, a segurança e a reputação. Mas a igualdade entre os homens, na visão de Hobbes, gera ambição, descontentamento e guerra. A igualdade seria o fator que contribui para a guerra de todos contra todos, levando-os a lutar pelo interesse individual em detrimento do interesse comum. Obviamente, isso seria resultado da racionalidade do homem, uma vez que, por ser dotado de razão, possui um senso crítico quanto à vivência em grupo, podendo criticar a organização dada e assim, nas palavras de Hobbes, julgar-se mais sábio e mais capacitado para exercer o poder público.
Dessa forma, a questão da igualdade e da liberdade, em Hobbes, é vista de forma diferente daquela leitura mais convencional destes termos, com significados “positivos”, como se viu, por exemplo, na Revolução Francesa. A liberdade, segundo Hobbes, seria prejudicial à relação entre os indivíduos, pois, na falta de “freios”, todos podem tudo, contra todos. Nós estamos vendo isso!
A paz, segundo Hobbes, somente seria possível quando todos renunciassem à liberdade que têm sobre si mesmos. Hobbes discorre sobre as formas de contratos e pactos possíveis em sua obra Leviatã, apontando ser o Estado o resultado do “pacto” feito entre os homens para, simultaneamente, todos abdicarem de sua “liberdade total”, do estado de natureza, consentindo a concentração deste poder nas mãos de um governante soberano. Seria necessária a criação artificial da sociedade política, administrada pelo Estado, estabelecendo-se uma ordem moral para a brutalidade social primitiva. O Estado hobbesiano seria marcado pelo medo, sendo o próprio Leviatã um monstro cuja armadura é feita de escamas que são seus súditos, brandindo ameaçadora espada, governando de forma soberana por meio deste temor, que inflige aos súditos.
Em suma, este Leviatã - ou seja, o próprio Estado soberano - vai concentrar uma série de direitos que não podem ser divididos para poder deter o controle da sociedade, em nome da paz, da segurança e da ordem social, bem como para defender a todos os inimigos externos.
Pelo que vocês estão analisando junto aqui comigo, a ideia de Hobbes, como que muitos filósofos e muitos historiadores acompanham, é uma ideia de que há necessidade do Estado fundamentalmente para manter segurança, para servir de freio para, como já disse, os impulsos dos seres humanos, para evitar a luta de todos contra todos, para manter a paz, a ordem social, a fim de que, com esta paz, todos possam conviver, produzir, comercializar, estudar, ter todos os seus direitos e é por isso, evidentemente, que o Estado soberano, o Estado absolutista cai por força da Revolução Francesa, da Revolução Americana, da Revolução Mexicana, que vêm trazendo, junto com a Constituição Alemã, os direitos de primeira dimensão, segunda dimensão, até chegar aos dias de hoje.
Mas o que nós vemos é que esse Estado, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, especialmente na Cidade do Rio de Janeiro, não cumpre o primeiro papel. O Estado hoje tem a obrigação, segundo a Constituição, de zelar pelos direitos de primeira dimensão obrigatoriamente e ele não pode interferir nas liberdades individuais. É obrigado, mas nem sempre cumpre, a atender os direitos humanos de segunda dimensão, mas o que nós estamos vendo aqui é que ele não consegue nem cumprir aquilo que foi estabelecido há séculos, que seria o papel da segurança.
Como vemos, na visão de muitos filósofos, o Estado foi criado fundamentalmente para garantir segurança, ou seja, evitar a luta de todos contra todos. A seguir vieram as conquistas resultantes das lutas com base em ideias de outros filósofos, que mostraram outros papéis do Estado, tais como: garantir as liberdades individuais e coletivas, os direitos sociais, culturais e econômicos e todos os demais direitos hoje consagrados nas Constituições de cada Estado.
Infelizmente no Brasil, no Estado do Rio de Janeiro, e mais notadamente nas Zonas Norte e Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, o Estado não cumpre nem a função para a qual, segundo os historiadores e filósofos, ele foi criado. Quem conhece o Chapadão, quem conhece Guadalupe, Anchieta, Pavuna, sabe que lá não existe Estado. Eu vou repetir: Guadalupe, Anchieta e Pavuna, principalmente nesses lugares, não existe Estado.
O que vimos ontem pela TV e o que aconteceu em Madureira, como demonstração de revolta do povo em razão da morte de um menino de quatro anos, vítima de bala perdida, que brincava ao lado de seu avô, tornou-se rotina na Cidade do Rio de Janeiro, especialmente nessas zonas, que são as mais abandonadas, onde não existe Estado.
É clara a demonstração de que voltamos à condição primitiva em que não há Estado, os grupos fazem justiça pelas próprias mãos. Quando é que isso vai parar? Onde vai parar? De que forma vai parar? Assistimos, todos, crianças saindo da escola chorando copiosamente, senhoras desesperadas com seus filhos, pessoas querendo voltar para casa e não podendo e o mais triste foi quando uma senhora disse claramente à entrevistadora: “Perdemos”, mas falou com uma tranquilidade de dar dó. Perdemos definitivamente o direito de ir e vir e quando isso acontece, podem estar certos, não há Estado. Muito obrigado, Senhor Presidente.