quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

OS ROLEZINHOS.

Quando reclamamos por uma sociedade mais fraterna e solidária, os egoístas de plantão se insurgem contra nós; quando apelamos para que lutemos por uma prestação de serviços públicos de saúde e de educação, de qualidade e universal, os egoístas de plantão respondem que não têm nada com a miséria dos outros, já que têm plano de saúde, podendo fazer uso de boas clínicas e de bons médicos e que seus filhos estudam em escolas particulares.
Quando bradamos por meios de transporte e por política de geração de emprego e renda para a população como um todo, os egoístas de plantão vociferam que não se importam com os serviços da Supervia com seus trens atrasados, sujos, superlotados e que sempre enguiçam, não se importam com as barcas nem com os ônibus, porque dispõem de automóveis próprios, além do que estão bem empregados e recebem salários compatíveis com as suas despesas. Falam eles: " isso é problema dos pobres e do governo". Enganam-se, pois é problema de todos nós.
Quando combatemos para a implementação de estratégias de habitação, de saneamento básico e de urbanização das comunidades, dando às pessoas que ali moram um tratamento digno e humano, os egoístas, de forma pueril, ignoram o nosso discurso. Alienados ou alienantes, ficam contemplando as desgraças que se apresentam nos telejornais, como se aquelas mazelas jamais lhes pudessem atingir, de forma direta ou indireta. Saboreiam o noticiário macabro como se as realidades daquelas pessoas que moram aqui, em nossa Cidade, estivessem em outro planeta. São insensíveis.
Quando insistimos que não deve haver tanta concentração de renda e defendemos a justiça social, constatamos descaso de muitos que poderiam se juntar a esse clamor, mas qual nada, cada um quer saber de si e somente de si. Esses egoístas olham e guardam apenas o seu umbigo, esquecendo-se da velha fala que assevera como um axioma " enquanto um órgão estiver doente, todo o organismo sofre".
Sabemos que é utópico desejar que todos os cidadãos tenham situações iguais, mas cremos que é possível reduzirmos as discrepâncias, minimizando o sofrimento e a exclusão de muita gente do desenvolvimento econômico do País.
Não acreditamos em esmolas, como os bolsas-tudo que geram comodismo nos seus beneficiários e distorções diversas. As pessoas entram nesses programas, mas não há estratégias para que elas se tornem independentes dessa situação. Não cremos que uns devam trabalhar para que outros recebam, sem nenhum esforço pessoal, os produtos do trabalho dos que se dedicam. Isso seria, antes de tudo, injustiça. E, também, discriminação.
Todo esse descaso da sociedade e dos governantes promove tensão social e aprofunda a segmentação da sociedade, já que se notam os ricos e os de classe média de um lado, contrapondo-se aos excluídos do mercado e da farra do consumo situados no outro polo. Esses últimos se sentem marginalizados e se colocam como adversários dos primeiros. Essa reação é humana e compreensível, pois eles percebem que não têm direito a nenhuma fatia do bolo.    
Jovens sem escola, sem família estruturada, sem religiosidade, sem referência política, sem exemplos a serem seguidos, sem perspectivas de progresso e de futuro percebem que precisam marcar suas presenças. São cooptados para "trabalhar" para o crime, aceitam desafios de enfrentar as leis e os costumes, promovem arruaças nas praias, nos ônibus, nos estádios de futebol, nos bailes funk, e, agora, nos shoppings. Isso não é por acaso. É um fato social importante que devemos levar a sério e procurar saber e avaliar onde erramos.
Agora, as pessoas que os ignoravam passaram a notá-los. Eles estão incomodando os passeios tranquilos e as compras nos shoppings, símbolos do consumismo das classes mais favorecidas. Surge, então, o espanto, o corre-corre e o medo. Perplexas, as autoridades procuram explicações. O que fazer? Obter liminares na Justiça para impedir suas entradas nesses lugares? Mas como? Pois é... A prevenção não foi feita. Como lidar com esse novo?

Ninguém se deu conta de que as omissões podem ser causas de danos irreparáveis. Vamos acompanhar os desdobramentos, mas saibam que esse é um fato social a ser tratado com muita sabedoria; não é só com repressão policialesca. Nós, sociedade, temos que fazer nossa reflexão, assumir nossa culpa e procurar uma saída lúcida para o problema.