domingo, 3 de fevereiro de 2013

Empresários da noite falam sobre pedidos de propina de até R$ 200 mil.

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), revelou nesta semana o emaranhado que envolve o funcionamento de casas noturnas paulistanas.

A sãopaulo ouviu 25 empresários da noite para entender o motivo de tantos clubes atuarem fora da lei. Eles relatam morosidade no andamento dos processos, excesso de normas e pedidos de propina de até R$ 200 mil.

A prefeitura reconhece que a emissão da licença é complexa e lenta. A princípio, segundo decreto municipal, a casa deveria ser inaugurada após receber o alvará. Porém, como o processo pode se estender por anos, acaba abrindo só com o protocolo do pedido.

A manobra é vetada pelo mesmo decreto. Mas, como a prefeitura não dá conta de analisar todos os processos em tempo hábil, faz vista grossa.
Club Ice, em Santana, na zona norte da cidade, ficou embargado durante dois anos antes de ser inaugurado

A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) confirma que, na prática, as casas funcionam sem o alvará. Para Percival Maricato, diretor jurídico da seção paulista da entidade, a dificuldade para obtê-lo é comum a todos os estabelecimentos que lidam com grande público. "A lei é complexa. Há corrupção."

Soma-se a isso a falta de estrutura do governo. "O problema equivale ao do Judiciário: há pouca gente para analisar muitos processos", diz Edwin Britto, da Comissão de Direito Urbanístico da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Para Flávia Ceccato, 41, dona da Hot Hot, na região central, a licença dos Bombeiros é rápida. "Mas, quando você dá entrada com a papelada na prefeitura, ela fica lá para sempre."

"Quem consegue abrir uma balada e ter alvará é um herói", diz Cláudio Santana, o Medusa, 41, sócio do Alberta #3 e do Astronete, ambos no centro.
                            
Próxima "[Depois da tragédia,] de certa forma eu me senti culpado só por ter o mesmo ofício", Facundo Guerra, 39, dono de casas como Lions, Cine Joia e YatchCAMINHO DA PROPINA

Um dono de boate na zona leste, que pediu para não ser identificado, acusa a prefeitura de dificultar o processo, o que resultaria na suposta máfia do alvará. "Tem muita gente que compra a autorização e paga caro por isso", diz ele, cuja casa funciona há quatro anos sem licença.
Empresários que pediram anonimato relatam que o pagamento de propina para acelerar o processo na prefeitura varia de R$ 20 mil a R$ 200 mil. A máfia, de acordo com eles, envolve engenheiros responsáveis por laudos, consultores de projetos e ainda funcionários públicos.

"Sem eles, é impossível conseguir um alvará mesmo que a casa esteja com tudo certo", diz um dos entrevistados. Segundo outro, um engenheiro disse que o pagamento de R$ 20 mil seria assim dividido: R$ 5.000 para ele e R$ 15 mil para funcionários da prefeitura. Além disso, ainda existiria um esquema de propina para, depois, manter as casas longe da fiscalização.

Na quinta-feira passada, ao ser questionado em entrevista coletiva sobre a corrupção de fiscais, o prefeito Fernando Haddad pediu que denúncias sejam encaminhadas à Controladoria Geral do Município. "Chegou uma denúncia a ordem é apurar."

Outra queixa recorrente é a falta de orientação da prefeitura. "Tivemos de procurar no Google uma empresa que pudesse nos orientar", diz Dago Donato, 37, sócio da Neu, na zona oeste.

Sidney Guerra, 43, o Magal, trabalha há 20 anos na noite e acredita que os problemas são maiores quando um imóvel tem de ser adaptado para abrigar uma casa noturna. Ele comanda o Club Ice, na zona norte, construído a partir das regras definidas por lei. Mesmo assim, o local ficou dois anos embargado antes de abrir, em 2008.

Para Bernard Fuldauer, presidente da Aprofisc (Associação dos Profissionais de Fiscalização do Estado de São Paulo), há brechas na lei que levam às irregularidades. "A pessoa protocola o pedido e apresenta um projeto de adequação da segurança. Eu, fiscal, não posso multar. Enquanto isso, está funcionando. E se pega fogo?"

A Abrasel estima que haja 2.000 casas noturnas na cidade, além de 13 mil restaurantes e 15 mil bares. Segundo o Ministério Público, 60% das baladas funcionam de forma irregular. A prefeitura diz que 600 clubes estão hoje na fila por um alvará.

Para a fiscalização, o Contru (Departamento de Controle do Uso de Imóveis) conta com 95 técnicos e as 31 subprefeituras, 700 agentes.

Após o incêndio no Sul, Haddad anunciou a intenção de emitir os alvarás em até 90 dias. Com medo da fiscalização, casas noturnas fecharam suas portas na última semana.